Comentários à redação do ENEM 2012 - O movimento migratório
Como nos anos anteriores, venho comentar a prova de redação do Enem e apontar quais caminhos o candidato poderia ter tomado em sua produção textual. Quanto ao tema, evidente que houve uma surpresa: nenhum dos sites especializados, nenhum especialista, e me incluo, previu tal temática, embora esta se faça presente nos noticiários, mesmo que esporadicamente.
Na verdade, antes de falar sobre a redação em si, gostaria de chamar a atenção para a propaganda governamental que mais uma vez foi feita via ENEM. Em outras palavras, além de gastar nossos tributos via TV, jornal, revista, painéis, o Governo Federal encontrou no Enem uma via de pregação ideológica.
Em síntese, a propaganda governamental consiste em, implicitamente, apontar o “Brasil” como reduto de quem quer buscar uma “vida melhor”: a 6ª posição como potência econômica atrai os imigrantes mencionados nos textos de apoio, o que faz pensar que por aqui tudo está as mil maravilhas. É mais uma mensagem subliminar de quem esconde as mazelas de um Brasil que fica embaixo do tapete.
Para justificar o tema, era preciso mostrar como há empregos de sobra por aqui, tanto que acolhemos os imigrantes, os quais “não são miseráveis que buscam o Brasil para viver, mas pessoas de classe média do Haiti e profissionais qualificados como engenheiros, professores, advogados, pedreiros, mestres de obras e carpinteiros”, segundo o texto de apoio.
Somando os dois fatos (Brasil em ascensão e chegada de imigrantes qualificados), haveria uma tendência para os candidatos mostrarem como essa equação é perfeita, mas não é. Assim, para provar a imperfeição da equação, basta uma questão: por que as supostas vagas, sugeridas pelo rol de profissões colocadas no texto de apoio, não estão ocupadas por brasileiros?
Em entrevista cedida por Leandro Rubim, coordenador da faculdade de tecnologia da Fiap (Faculdade de Informática e Administração Paulista), ao G1, este afirmou que existirá um déficit de 700 mil vagas até 2020 e que hoje há 200 mil vagas, em se tratando de Tecnologia de Informação. A razão é a “Falta de profissional qualificado”, segundo ele.
Tendo esses pressupostos como base, surge um novo dado em nossa equação: Economia em ascensão, vinda de imigrantes especializados, bem como falta de qualificação brasileira... agora a temática toma um novo rumo.
Frente a esse novo dado, a princípio, pode-se imaginar que a única análise levaria a rechaçar o ingresso dos estrangeiros ao mercado de trabalho brasileiro, mas não é esse o caminho. Seja por razões humanitárias; seja para repetir um passado histórico quando japoneses, italianos e alemães, dentre outros povos aqui chegaram para trabalhar; seja por que até pouco tempo atrás eram os brasileiros batendo às portas de Portugal, EUA e Inglaterra, não se pode negar ajuda a quem a solicita.
Mas o que fazer do contingente de desempregados que estão debaixo do tapete? Conforme apontado anteriormente, há vagas sem preenchimento por falta de mão de obra especializada! O fato é que não se pode negar o sucateamento das universidades públicas tanto em seu potencial de pesquisa como no investimento em pessoal, vide os baixos salários de professores e técnicos. Ocorre igualmente uma ampliação de vagas em faculdades particulares, mas nem sempre isso correspondeu a uma chegada de profissionais aptos a ocuparem vagas do mercado. Além do mais, escolas formadoras como SENAI, SENAC e SESI são escassas, o que piorou com o fim do ensino qualificador do antigo colegial. É possível piorar esse quadro? Sim.
Segundo o INEP, 13,2% dos alunos que cursavam o Ensino Médio abandonaram a escola, o que corresponde a mais de um milhão de alunos que ficam à margem da formação oficial por ano. Os dados são colhidos desde 2007, então basta fazer as contas para entender por que há tantas vagas.
Quanto ao ensino superior, dados do censo mostram que de 2008 para 2009, um total de 896.455 estudantes abandonaram a universidade, o que representa uma média de 20,9% do universo de alunos. Nas instituições públicas, 114.173 estudantes (10,5%) largaram os cursos. Nas particulares, um total de 782.282 alunos (24,5% dos estudantes) evadiram, de acordo com o site G1. Mesmo as políticas de inclusão acabam infrutíferas, já que, segundo dados da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), o percentual de desistência entre negros cotistas é de 30,1%; já de índios cotistas é de 48,9%. Como se vê, por várias questões, há grande déficit de mão de obra qualificada entre os brasileiros.
Neste sentido, a vinda de imigrantes se justifica já que foram apresentados no texto de apoio como pessoas qualificadas. Explicando melhor, quem elaborou a proposta deixa entrever que, com exceção dos bolivianos, os quais “têm baixa qualificação”, o Brasil vem sendo invadido por pessoas especializadas.
Com base nesses pressupostos, o candidato poderia traçar sua tese e correspondente argumentação. Para ser didática, divido em três possibilidades de texto e aceito colaboração para outras. Assim, exponho da abordagem mais fácil à mais complexa:
- O candidato poderia elogiar o governo brasileiro quando este abriga os imigrantes, mas mostrar que também se deve investir no ensino básico e universitário para que os nativos tenham chance de ocupar as principais vagas.
- Poderia fazer um paralelo entre a necessidade que um dia o Brasil teve em trazer imigrantes europeus e asiáticos para ocupar uma lacuna nas lavouras e indústrias brasileiras, escassas de mão de obra, com o atual contexto. O argumento, neste caso, seria voltado para um “preço” que se paga para a economia estar hoje no patamar que “dizem” estar. Para tanto, deve-se colocar o atual processo de imigração como consequência do crescimento econômico.
- Sugerir que o Brasil busque saídas diplomáticas para realocar os imigrantes em suas próprias pátrias, com respeito ao ser humano que vem para cá em busca de saídas; assim, mostrar que temporariamente o imigrante deve ser acolhido, mas não tornar o Brasil sua segunda pátria, sob pena de prejuízo frente aos brasileiros que perdem vagas de trabalho aos estrangeiros.
Dadas as possibilidades de abordagens, ainda cabe dizer que houve sim certa decepção quanto ao tema, já que o MEC rompeu uma tradição de trazer assuntos mais próximos dos jovens – público preferencial do Enem. Também propositalmente deixou de lado temas relevantes à população como o caos na saúde, o desafio de colocar em ordem a educação pública, as políticas públicas de inserção de grupos raciais, as questões indígenas e ecológicas. Enfim, o tema atende a uma mensagem que vem sendo repetida pelo governo federal: o Brasil é o melhor lugar para se viver e trabalhar – inclusive para os estrangeiros.
Suzana Luz
É formada em Letras e Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso; fez especialização em "Teorias e Práticas Textuais: Linguagem, Metalinguagem e Epilinguagem", também na UFMT; é pós-graduada em Direito Processual Civil pela Escola do Ministério Público do Estado de Mato Grosso; desenvolve desde 1992 o Curso de Redação Professora Suzana Luz;
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