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PRECE DO BRASILEIRO
Meu Deus,
só me lembro de vós para pedir,
mas de qualquer modo sempre é uma lembrança.
Desculpai vosso filho, que se veste
de humildade e esperança [I]
e vos suplica: Olhai para o Nordeste
onde há fome, Senhor, e desespero
rodando nas estradas
entre esqueletos de animais.
Em Iguatu, Parambu, Baturité,
Tauá
(vogais tão fortes não chegam até vós?)
vede as espectrais
procissões de braços estendidos,
assaltos, sobressaltos, armazéns
arrombados e – o que é pior – não tinham nada.
Fazei, Senhor, chover a chuva boa, [II]
aquela que, florindo e reflorindo, soa
qual cantata de Bach em vossa glória
e dá vida ao boi, ao bode, à erva seca,
ao pobre sertanejo destruído
no que tem de mais doce e mais cruel:
a terra estorricada sempre amada.
Fazei chover, Senhor, e já! numa certeira
ordem às nuvens. Ou desobedecem
a vosso mando, as revoltosas? Tudo
é pois contestação? Fosse eu Vieira
(o padre) e vos diria, malcriado,
muitas e boas… mas sou vosso fã [III]
omisso, pecador, bem brasileiro.
Comigo é na macia, no veludo/lã
e, matreiro, rogo, não
ao Senhor Deus dos Exércitos (Deus me livre)
mas ao Deus que Bandeira, com carinho
botou em verso: “meu Jesus Cristinho”.
E mudo até o tratamento: por que vós,
tão gravata-e-colarinho, tão
vossa excelência?
O você comunica muito mais
e se agora o trato de você,
ficamos perto, vamos papeando
como dois camaradas bem legais, [IV]
um, puro; o outro, aquela coisa,
quase que maldito,
mas amizade é isso mesmo: salta
o vale, o muro, o abismo do infinito.
Meu querido Jesus, que é que há?
Faz sentido deixar o Ceará
sofrer em ciclo a mesma eterna pena?
E você me responde suavemente:
Escute, meu cronista e meu cristão:
essa cantiga é antiga
e de tão velha não entoa não.
Você tem a Sudene abrindo frentes
de trabalho de emergência, antes fechadas. [V]
Tem a ONU, que manda toneladas
de pacotes à espera de haver fome.
Tudo está preparado para a cena
dolorosamente repetida
no mesmo palco. O mesmo drama, toda vida.
No entanto, você sabe,
você lê os jornais, vai ao cinema,
até um livro de vez em quando lê
se o Busaid não criar problema:
Em Israel, minha primeira pátria [VI]
(a segunda é a Bahia),
desertos se transformam em jardins,
em pomares, em fontes, em riquezas.
E não é por milagre:
obra do homem e da tecnologia.
Você, meu brasileiro,
não acha que já é tempo de aprender
e de atender àquela brava gente [VII]
fugindo à caridade de ocasião
e ao vício de esperar tudo da oração?
Jesus disse e sorriu. Fiquei calado.
Fiquei, confesso, muito encabulado,
mas pedir, pedir sempre ao bom amigo
é balda que carrego aqui comigo. [VIII]
Disfarcei e sorri. Pois é, meu caro.
Vamos mudar de assunto. Eu ia lhe falar
noutro caso, mais sério, mais urgente.
Escute aqui, ó irmãozinho.
Meu coração, agora, tá no México
batendo pelos músculos de Gérson,
a unha de Tostão, a ronha de Pelé,
a cuca de Zagalo, a calma de Leão
e tudo mais que liga o meu país
a uma bola no campo e uma taça de ouro. [IX]
Dê um jeito, meu velho, e faça que essa taça
sem milagre ou com ele nos pertença
para sempre, assim seja… Do contrário
ficará a Nação tão malincônica,
tão roubada em seu sonho e seu ardor
que nem sei como fecho a minha crônica
Carlos Drummond de Andrade
O texto de Carlos Drummond de Andrade se refere a Bandeira: “Bandeira, com carinho, botou em verso: Meu Jesus Cristinho”. (Estrofe III)
Trata-se de
PRECE DO BRASILEIRO
Meu Deus,
só me lembro de vós para pedir,
mas de qualquer modo sempre é uma lembrança.
Desculpai vosso filho, que se veste
de humildade e esperança [I]
e vos suplica: Olhai para o Nordeste
onde há fome, Senhor, e desespero
rodando nas estradas
entre esqueletos de animais.
Em Iguatu, Parambu, Baturité,
Tauá
(vogais tão fortes não chegam até vós?)
vede as espectrais
procissões de braços estendidos,
assaltos, sobressaltos, armazéns
arrombados e – o que é pior – não tinham nada.
Fazei, Senhor, chover a chuva boa, [II]
aquela que, florindo e reflorindo, soa
qual cantata de Bach em vossa glória
e dá vida ao boi, ao bode, à erva seca,
ao pobre sertanejo destruído
no que tem de mais doce e mais cruel:
a terra estorricada sempre amada.
Fazei chover, Senhor, e já! numa certeira
ordem às nuvens. Ou desobedecem
a vosso mando, as revoltosas? Tudo
é pois contestação? Fosse eu Vieira
(o padre) e vos diria, malcriado,
muitas e boas… mas sou vosso fã [III]
omisso, pecador, bem brasileiro.
Comigo é na macia, no veludo/lã
e, matreiro, rogo, não
ao Senhor Deus dos Exércitos (Deus me livre)
mas ao Deus que Bandeira, com carinho
botou em verso: “meu Jesus Cristinho”.
E mudo até o tratamento: por que vós,
tão gravata-e-colarinho, tão
vossa excelência?
O você comunica muito mais
e se agora o trato de você,
ficamos perto, vamos papeando
como dois camaradas bem legais, [IV]
um, puro; o outro, aquela coisa,
quase que maldito,
mas amizade é isso mesmo: salta
o vale, o muro, o abismo do infinito.
Meu querido Jesus, que é que há?
Faz sentido deixar o Ceará
sofrer em ciclo a mesma eterna pena?
E você me responde suavemente:
Escute, meu cronista e meu cristão:
essa cantiga é antiga
e de tão velha não entoa não.
Você tem a Sudene abrindo frentes
de trabalho de emergência, antes fechadas. [V]
Tem a ONU, que manda toneladas
de pacotes à espera de haver fome.
Tudo está preparado para a cena
dolorosamente repetida
no mesmo palco. O mesmo drama, toda vida.
No entanto, você sabe,
você lê os jornais, vai ao cinema,
até um livro de vez em quando lê
se o Busaid não criar problema:
Em Israel, minha primeira pátria [VI]
(a segunda é a Bahia),
desertos se transformam em jardins,
em pomares, em fontes, em riquezas.
E não é por milagre:
obra do homem e da tecnologia.
Você, meu brasileiro,
não acha que já é tempo de aprender
e de atender àquela brava gente [VII]
fugindo à caridade de ocasião
e ao vício de esperar tudo da oração?
Jesus disse e sorriu. Fiquei calado.
Fiquei, confesso, muito encabulado,
mas pedir, pedir sempre ao bom amigo
é balda que carrego aqui comigo. [VIII]
Disfarcei e sorri. Pois é, meu caro.
Vamos mudar de assunto. Eu ia lhe falar
noutro caso, mais sério, mais urgente.
Escute aqui, ó irmãozinho.
Meu coração, agora, tá no México
batendo pelos músculos de Gérson,
a unha de Tostão, a ronha de Pelé,
a cuca de Zagalo, a calma de Leão
e tudo mais que liga o meu país
a uma bola no campo e uma taça de ouro. [IX]
Dê um jeito, meu velho, e faça que essa taça
sem milagre ou com ele nos pertença
para sempre, assim seja… Do contrário
ficará a Nação tão malincônica,
tão roubada em seu sonho e seu ardor
que nem sei como fecho a minha crônica
Carlos Drummond de Andrade
O texto de Carlos Drummond de Andrade faz referência a Vieira – “Fosse eu Vieira (o padre) e vos diria, malcriado, muitas e boas” –, (Estrofe III) que
I. “Nascido em Portugal, foi no Brasil que começou a escrever seus sermões e a evangelizar. O religioso fez parte da Companhia de Jesus e defendia, além dos indígenas, a liberdade dos judeus, perseguidos na época pela inquisição da Igreja Católica”.
II. “é classificado como um escritor do movimento barroco. O autor seguia a tradição clássica, os sermões dele sempre começam com uma citação da Bíblia, que servia como base para a tese explicitada”.
III. “era contra a escravidão e a exploração, sempre buscou evangelizar os índios (...). No Brasil, deu aulas de retórica em Olinda”.
IV. “escreveu, dentre outros, O Sermão de Santo Antônio dos Peixes e o Sermão da Sexagésima”.
Estão corretas:
PRECE DO BRASILEIRO
Meu Deus,
só me lembro de vós para pedir,
mas de qualquer modo sempre é uma lembrança.
Desculpai vosso filho, que se veste
de humildade e esperança [I]
e vos suplica: Olhai para o Nordeste
onde há fome, Senhor, e desespero
rodando nas estradas
entre esqueletos de animais.
Em Iguatu, Parambu, Baturité,
Tauá
(vogais tão fortes não chegam até vós?)
vede as espectrais
procissões de braços estendidos,
assaltos, sobressaltos, armazéns
arrombados e – o que é pior – não tinham nada.
Fazei, Senhor, chover a chuva boa, [II]
aquela que, florindo e reflorindo, soa
qual cantata de Bach em vossa glória
e dá vida ao boi, ao bode, à erva seca,
ao pobre sertanejo destruído
no que tem de mais doce e mais cruel:
a terra estorricada sempre amada.
Fazei chover, Senhor, e já! numa certeira
ordem às nuvens. Ou desobedecem
a vosso mando, as revoltosas? Tudo
é pois contestação? Fosse eu Vieira
(o padre) e vos diria, malcriado,
muitas e boas… mas sou vosso fã [III]
omisso, pecador, bem brasileiro.
Comigo é na macia, no veludo/lã
e, matreiro, rogo, não
ao Senhor Deus dos Exércitos (Deus me livre)
mas ao Deus que Bandeira, com carinho
botou em verso: “meu Jesus Cristinho”.
E mudo até o tratamento: por que vós,
tão gravata-e-colarinho, tão
vossa excelência?
O você comunica muito mais
e se agora o trato de você,
ficamos perto, vamos papeando
como dois camaradas bem legais, [IV]
um, puro; o outro, aquela coisa,
quase que maldito,
mas amizade é isso mesmo: salta
o vale, o muro, o abismo do infinito.
Meu querido Jesus, que é que há?
Faz sentido deixar o Ceará
sofrer em ciclo a mesma eterna pena?
E você me responde suavemente:
Escute, meu cronista e meu cristão:
essa cantiga é antiga
e de tão velha não entoa não.
Você tem a Sudene abrindo frentes
de trabalho de emergência, antes fechadas. [V]
Tem a ONU, que manda toneladas
de pacotes à espera de haver fome.
Tudo está preparado para a cena
dolorosamente repetida
no mesmo palco. O mesmo drama, toda vida.
No entanto, você sabe,
você lê os jornais, vai ao cinema,
até um livro de vez em quando lê
se o Busaid não criar problema:
Em Israel, minha primeira pátria [VI]
(a segunda é a Bahia),
desertos se transformam em jardins,
em pomares, em fontes, em riquezas.
E não é por milagre:
obra do homem e da tecnologia.
Você, meu brasileiro,
não acha que já é tempo de aprender
e de atender àquela brava gente [VII]
fugindo à caridade de ocasião
e ao vício de esperar tudo da oração?
Jesus disse e sorriu. Fiquei calado.
Fiquei, confesso, muito encabulado,
mas pedir, pedir sempre ao bom amigo
é balda que carrego aqui comigo. [VIII]
Disfarcei e sorri. Pois é, meu caro.
Vamos mudar de assunto. Eu ia lhe falar
noutro caso, mais sério, mais urgente.
Escute aqui, ó irmãozinho.
Meu coração, agora, tá no México
batendo pelos músculos de Gérson,
a unha de Tostão, a ronha de Pelé,
a cuca de Zagalo, a calma de Leão
e tudo mais que liga o meu país
a uma bola no campo e uma taça de ouro. [IX]
Dê um jeito, meu velho, e faça que essa taça
sem milagre ou com ele nos pertença
para sempre, assim seja… Do contrário
ficará a Nação tão malincônica,
tão roubada em seu sonho e seu ardor
que nem sei como fecho a minha crônica
Carlos Drummond de Andrade
Assinale (V) Verdadeiro ou (F) Falso com relação ao poema Prece do Brasileiro.
( ) Carlos Drummond de Andrade realiza, neste poema, um dos principais projetos do modernismo: o despojamento da linguagem, o envolvimento político, a crítica social, o descaso com a linguagem, a ausência de estilo.
( ) O poema é extremamente religioso e revela como o homem deve esperar por Deus para solucionar seus problemas.
( ) Trata-se de um texto em que o autor usa os planos humano/ divino para tecer uma crítica contundente ao homem que espera resolver seus problemas sociais apelando para o divino.
( ) O eu poético espera que, com o uso da linguagem informal, Deus possa responder a seus anseios, já que, quando usa a linguagem formal, o divino não lhe respondeu, daí por que prefere usar uma linguagem mais tensa.
( ) O poema, de uma forma bem humorada, fala do desespero do homem com relação à seca que assola o Nordeste, o que vem a calhar com o momento atual.
Assinale a sequência correta:
PRECE DO BRASILEIRO
Meu Deus,
só me lembro de vós para pedir,
mas de qualquer modo sempre é uma lembrança.
Desculpai vosso filho, que se veste
de humildade e esperança [I]
e vos suplica: Olhai para o Nordeste
onde há fome, Senhor, e desespero
rodando nas estradas
entre esqueletos de animais.
Em Iguatu, Parambu, Baturité,
Tauá
(vogais tão fortes não chegam até vós?)
vede as espectrais
procissões de braços estendidos,
assaltos, sobressaltos, armazéns
arrombados e – o que é pior – não tinham nada.
Fazei, Senhor, chover a chuva boa, [II]
aquela que, florindo e reflorindo, soa
qual cantata de Bach em vossa glória
e dá vida ao boi, ao bode, à erva seca,
ao pobre sertanejo destruído
no que tem de mais doce e mais cruel:
a terra estorricada sempre amada.
Fazei chover, Senhor, e já! numa certeira
ordem às nuvens. Ou desobedecem
a vosso mando, as revoltosas? Tudo
é pois contestação? Fosse eu Vieira
(o padre) e vos diria, malcriado,
muitas e boas… mas sou vosso fã [III]
omisso, pecador, bem brasileiro.
Comigo é na macia, no veludo/lã
e, matreiro, rogo, não
ao Senhor Deus dos Exércitos (Deus me livre)
mas ao Deus que Bandeira, com carinho
botou em verso: “meu Jesus Cristinho”.
E mudo até o tratamento: por que vós,
tão gravata-e-colarinho, tão
vossa excelência?
O você comunica muito mais
e se agora o trato de você,
ficamos perto, vamos papeando
como dois camaradas bem legais, [IV]
um, puro; o outro, aquela coisa,
quase que maldito,
mas amizade é isso mesmo: salta
o vale, o muro, o abismo do infinito.
Meu querido Jesus, que é que há?
Faz sentido deixar o Ceará
sofrer em ciclo a mesma eterna pena?
E você me responde suavemente:
Escute, meu cronista e meu cristão:
essa cantiga é antiga
e de tão velha não entoa não.
Você tem a Sudene abrindo frentes
de trabalho de emergência, antes fechadas. [V]
Tem a ONU, que manda toneladas
de pacotes à espera de haver fome.
Tudo está preparado para a cena
dolorosamente repetida
no mesmo palco. O mesmo drama, toda vida.
No entanto, você sabe,
você lê os jornais, vai ao cinema,
até um livro de vez em quando lê
se o Busaid não criar problema:
Em Israel, minha primeira pátria [VI]
(a segunda é a Bahia),
desertos se transformam em jardins,
em pomares, em fontes, em riquezas.
E não é por milagre:
obra do homem e da tecnologia.
Você, meu brasileiro,
não acha que já é tempo de aprender
e de atender àquela brava gente [VII]
fugindo à caridade de ocasião
e ao vício de esperar tudo da oração?
Jesus disse e sorriu. Fiquei calado.
Fiquei, confesso, muito encabulado,
mas pedir, pedir sempre ao bom amigo
é balda que carrego aqui comigo. [VIII]
Disfarcei e sorri. Pois é, meu caro.
Vamos mudar de assunto. Eu ia lhe falar
noutro caso, mais sério, mais urgente.
Escute aqui, ó irmãozinho.
Meu coração, agora, tá no México
batendo pelos músculos de Gérson,
a unha de Tostão, a ronha de Pelé,
a cuca de Zagalo, a calma de Leão
e tudo mais que liga o meu país
a uma bola no campo e uma taça de ouro. [IX]
Dê um jeito, meu velho, e faça que essa taça
sem milagre ou com ele nos pertença
para sempre, assim seja… Do contrário
ficará a Nação tão malincônica,
tão roubada em seu sonho e seu ardor
que nem sei como fecho a minha crônica
Carlos Drummond de Andrade
O poema de Carlos Drummond de Andrade, quanto ao estilo de época e à escola literária a que pertence,
I. pode ser enquadrado como realista, pois faz um retrato fiel da situação de desespero em que vivem os brasileiros, sobretudo os nordestinos, dependendo da “caridade de ocasião” e do “vício de esperar tudo da oração”.
II. pode ser incluído no Romantismo, pois idealiza um mundo em que o homem pode aproximar-se de Deus pela oração para que possa tornar-se humanitário e para lutar por uma vida melhor.
III. deve ser considerado naturalista, pois enfatiza de forma objetiva e crua a realidade do Nordeste brasileiro, fazendo um retrato fiel do homem “omisso, pecador, bem brasileiro”, apelando para a justiça social entre os homens que devem vencer pela luta.
IV. pode ser considerado barroco, pois prima pelas imagens contraditórias e por uma visão que distingue o homem do divino, usando para isso uma linguagem rebuscada, plena de metáforas e outras figuras.
Podemos concluir que
PRECE DO BRASILEIRO
Meu Deus,
só me lembro de vós para pedir,
mas de qualquer modo sempre é uma lembrança.
Desculpai vosso filho, que se veste
de humildade e esperança [I]
e vos suplica: Olhai para o Nordeste
onde há fome, Senhor, e desespero
rodando nas estradas
entre esqueletos de animais.
Em Iguatu, Parambu, Baturité,
Tauá
(vogais tão fortes não chegam até vós?)
vede as espectrais
procissões de braços estendidos,
assaltos, sobressaltos, armazéns
arrombados e – o que é pior – não tinham nada.
Fazei, Senhor, chover a chuva boa, [II]
aquela que, florindo e reflorindo, soa
qual cantata de Bach em vossa glória
e dá vida ao boi, ao bode, à erva seca,
ao pobre sertanejo destruído
no que tem de mais doce e mais cruel:
a terra estorricada sempre amada.
Fazei chover, Senhor, e já! numa certeira
ordem às nuvens. Ou desobedecem
a vosso mando, as revoltosas? Tudo
é pois contestação? Fosse eu Vieira
(o padre) e vos diria, malcriado,
muitas e boas… mas sou vosso fã [III]
omisso, pecador, bem brasileiro.
Comigo é na macia, no veludo/lã
e, matreiro, rogo, não
ao Senhor Deus dos Exércitos (Deus me livre)
mas ao Deus que Bandeira, com carinho
botou em verso: “meu Jesus Cristinho”.
E mudo até o tratamento: por que vós,
tão gravata-e-colarinho, tão
vossa excelência?
O você comunica muito mais
e se agora o trato de você,
ficamos perto, vamos papeando
como dois camaradas bem legais, [IV]
um, puro; o outro, aquela coisa,
quase que maldito,
mas amizade é isso mesmo: salta
o vale, o muro, o abismo do infinito.
Meu querido Jesus, que é que há?
Faz sentido deixar o Ceará
sofrer em ciclo a mesma eterna pena?
E você me responde suavemente:
Escute, meu cronista e meu cristão:
essa cantiga é antiga
e de tão velha não entoa não.
Você tem a Sudene abrindo frentes
de trabalho de emergência, antes fechadas. [V]
Tem a ONU, que manda toneladas
de pacotes à espera de haver fome.
Tudo está preparado para a cena
dolorosamente repetida
no mesmo palco. O mesmo drama, toda vida.
No entanto, você sabe,
você lê os jornais, vai ao cinema,
até um livro de vez em quando lê
se o Busaid não criar problema:
Em Israel, minha primeira pátria [VI]
(a segunda é a Bahia),
desertos se transformam em jardins,
em pomares, em fontes, em riquezas.
E não é por milagre:
obra do homem e da tecnologia.
Você, meu brasileiro,
não acha que já é tempo de aprender
e de atender àquela brava gente [VII]
fugindo à caridade de ocasião
e ao vício de esperar tudo da oração?
Jesus disse e sorriu. Fiquei calado.
Fiquei, confesso, muito encabulado,
mas pedir, pedir sempre ao bom amigo
é balda que carrego aqui comigo. [VIII]
Disfarcei e sorri. Pois é, meu caro.
Vamos mudar de assunto. Eu ia lhe falar
noutro caso, mais sério, mais urgente.
Escute aqui, ó irmãozinho.
Meu coração, agora, tá no México
batendo pelos músculos de Gérson,
a unha de Tostão, a ronha de Pelé,
a cuca de Zagalo, a calma de Leão
e tudo mais que liga o meu país
a uma bola no campo e uma taça de ouro. [IX]
Dê um jeito, meu velho, e faça que essa taça
sem milagre ou com ele nos pertença
para sempre, assim seja… Do contrário
ficará a Nação tão malincônica,
tão roubada em seu sonho e seu ardor
que nem sei como fecho a minha crônica
Carlos Drummond de Andrade
Quanto à função da linguagem, o texto de Carlos Drummond de Andrade é predominantemente
PRECE DO BRASILEIRO
Meu Deus,
só me lembro de vós para pedir,
mas de qualquer modo sempre é uma lembrança.
Desculpai vosso filho, que se veste
de humildade e esperança [I]
e vos suplica: Olhai para o Nordeste
onde há fome, Senhor, e desespero
rodando nas estradas
entre esqueletos de animais.
Em Iguatu, Parambu, Baturité,
Tauá
(vogais tão fortes não chegam até vós?)
vede as espectrais
procissões de braços estendidos,
assaltos, sobressaltos, armazéns
arrombados e – o que é pior – não tinham nada.
Fazei, Senhor, chover a chuva boa, [II]
aquela que, florindo e reflorindo, soa
qual cantata de Bach em vossa glória
e dá vida ao boi, ao bode, à erva seca,
ao pobre sertanejo destruído
no que tem de mais doce e mais cruel:
a terra estorricada sempre amada.
Fazei chover, Senhor, e já! numa certeira
ordem às nuvens. Ou desobedecem
a vosso mando, as revoltosas? Tudo
é pois contestação? Fosse eu Vieira
(o padre) e vos diria, malcriado,
muitas e boas… mas sou vosso fã [III]
omisso, pecador, bem brasileiro.
Comigo é na macia, no veludo/lã
e, matreiro, rogo, não
ao Senhor Deus dos Exércitos (Deus me livre)
mas ao Deus que Bandeira, com carinho
botou em verso: “meu Jesus Cristinho”.
E mudo até o tratamento: por que vós,
tão gravata-e-colarinho, tão
vossa excelência?
O você comunica muito mais
e se agora o trato de você,
ficamos perto, vamos papeando
como dois camaradas bem legais, [IV]
um, puro; o outro, aquela coisa,
quase que maldito,
mas amizade é isso mesmo: salta
o vale, o muro, o abismo do infinito.
Meu querido Jesus, que é que há?
Faz sentido deixar o Ceará
sofrer em ciclo a mesma eterna pena?
E você me responde suavemente:
Escute, meu cronista e meu cristão:
essa cantiga é antiga
e de tão velha não entoa não.
Você tem a Sudene abrindo frentes
de trabalho de emergência, antes fechadas. [V]
Tem a ONU, que manda toneladas
de pacotes à espera de haver fome.
Tudo está preparado para a cena
dolorosamente repetida
no mesmo palco. O mesmo drama, toda vida.
No entanto, você sabe,
você lê os jornais, vai ao cinema,
até um livro de vez em quando lê
se o Busaid não criar problema:
Em Israel, minha primeira pátria [VI]
(a segunda é a Bahia),
desertos se transformam em jardins,
em pomares, em fontes, em riquezas.
E não é por milagre:
obra do homem e da tecnologia.
Você, meu brasileiro,
não acha que já é tempo de aprender
e de atender àquela brava gente [VII]
fugindo à caridade de ocasião
e ao vício de esperar tudo da oração?
Jesus disse e sorriu. Fiquei calado.
Fiquei, confesso, muito encabulado,
mas pedir, pedir sempre ao bom amigo
é balda que carrego aqui comigo. [VIII]
Disfarcei e sorri. Pois é, meu caro.
Vamos mudar de assunto. Eu ia lhe falar
noutro caso, mais sério, mais urgente.
Escute aqui, ó irmãozinho.
Meu coração, agora, tá no México
batendo pelos músculos de Gérson,
a unha de Tostão, a ronha de Pelé,
a cuca de Zagalo, a calma de Leão
e tudo mais que liga o meu país
a uma bola no campo e uma taça de ouro. [IX]
Dê um jeito, meu velho, e faça que essa taça
sem milagre ou com ele nos pertença
para sempre, assim seja… Do contrário
ficará a Nação tão malincônica,
tão roubada em seu sonho e seu ardor
que nem sei como fecho a minha crônica
Carlos Drummond de Andrade
Associe uma coluna à outra, com relação às figuras de linguagem presentes no texto de Carlos Drummond de Andrade.
A - Metáfora
B - Metonímia/Sinédoque
C - Pleonasmo
D - Símile
E - Antítese
F - Ironia/Personificação
G - Gradação
( ) “Se veste de humildade” (Estrofe I)
( ) “desespero/rodando nas estradas” (Estrofe I)
( ) “procissões de braços estendidos” (Estrofe II)
( ) “Chover a chuva boa” (Estrofe II)
( ) “Soa qual cantata de Bach” (Estrofe II)
( ) “no que tem de mais doce e mais cruel” (Estrofe II)
( ) “ou desobedecem a vosso mando as revoltosas?” (Estrofe III)
( ) “por que vós, tão gravata-e-colarinho?” (Estrofe IV)
( ) “um, puro; o outro, aquela coisa quase que maldito” (Estrofe IV)
( ) “salta o vale, o muro, o abismo” (Estrofe IV)
A sequência correta é