Para responder à questão, leia a carta enviada por Carlos Drummond de Andrade ao jornalista Carlos Castello Branco.
Rio, 20 de maio de 1976.
Castello,
Acabo de saber, por uma amiga comum, que foi notada, na correspondência dirigida a você pela perda do seu filho, a ausência de manifestação de minha parte. Devo dizer que, como toda criatura sensível e experimentada pela vida, senti muito, senti com você e com sua mulher, a tristeza do acontecimento. Se não a manifestei, foi devido a um movimento de discrição, que me inibiu de dirigir-me a você por serem tão vagas e distantes as nossas relações pessoais, apesar da admiração que voto à sua inteligência e à sua linha cívica — admiração que nunca escondi das pessoas com quem trato. Achei que iria, de certa maneira, invadir aquele território a que só têm acesso os amigos — e eu nunca tive oportunidade de estabelecer com você laços de amizade, o que lamento. Entre os meus defeitos creio não figurar a algidez diante da dor humana, e a de vocês dois atrai imediatamente todas as solidariedades, expressas ou silenciosas. Triste é também que, ao me aproximar de você, como agora o faço, o motivo seja dessa ordem, quando poderia ser festivo ou ocasional. Não quero, entretanto, que perdure em seu espírito a menor dúvida sobre a minha reação ante o fato que o acabrunhou. Nada posso dizer ou fazer no sentido de induzi-lo a um estado de conformidade e aceitação do inelutável. Eu sei, de ciência própria, que só as forças interiores — e você as tem, apuradas — são capazes de nos fazer assimilar uma perda como essa e de criar as condições para o ressurgimento ou recuperação da vida moral. Ignoro se você é homem de fé. Eu não tenho nenhuma, porém me alentaram, mais de uma vez, as reflexões de Kierkegaard sobre os mortos e o relacionamento entre eles e nós.
Receba, com sua mulher, o abraço de fraternal sentimento, meu e de Dolores.
Seu Carlos Drummond.
(Sérgio Rodrigues (org.). Cartas brasileiras, 2017.)
Em “Eu sei, de ciência própria, que só as forças interiores [...] são capazes de nos fazer assimilar uma perda como essa”, a expressão sublinhada alude à ideia de