Leia a seguir a entrevista concedida por Paola Ricaurte, professora do Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores de Monterrey, México, à Revista Communicare, do Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP) da Faculdade Cásper Líbero, e responda à questão:
ENTREVISTA
Revista Communicare: Vivemos o que parece ser um grande potencial de inovação tecnológica do ponto de vista dos aparatos, da técnica e da infraestrutura. No entanto, esse suposto “progresso” não é necessariamente acompanhado pelo que diz respeito ao conteúdo circulante: uma comunicação com tendências retrógradas, cada vez mais reacionárias. Como você avalia esse cenário?
Profa. Paola Ricaurte: Parece-me que há duas dimensões que poderiam ser discutidas a partir dessa provocação. Por um lado, a ideia arraigada de que o curso do desenvolvimento tecnológico atual é sinônimo de “desenvolvimento”, “modernidade” ou “progresso” em termos históricos e a partir de uma leitura hegemônica do que significam os processos civilizatórios contemporâneos. Isso tem várias implicações, tais como, por exemplo, situar certas sociedades como “possuidoras” de conhecimento e tecnologia e outras como “usuárias” ou “consumidoras”. Em outras palavras, em termos geopolíticos, algumas sociedades têm a capacidade de impor certas tecnologias a outras e, com elas, certos modelos e visões de mundo, como, por exemplo, a avaliação de quais tecnologias são boas ou más. Essa superioridade é sustentada através da construção de um conjunto de narrativas sobre o poder da tecnologia. O tecnodeterminismo é um deles: um imaginário sobre a capacidade da tecnologia para definir nosso destino. Ou seja, um destino tecnologicamente forjado que nos desresponsabiliza como sujeitos e como coletividade. Portanto, para resumir, não devemos necessariamente assumir que as tecnologias que temos são boas, nem que elas são as que precisamos para nos permitir construir as sociedades e as vidas que queremos. O outro lado dessa provocação, a circulação do conteúdo, é uma questão muito complexa que não é necessariamente abordada a partir de suas causas. A comunicação é um processo de troca de informações associado ao lugar enunciativo dos sujeitos que falam. Portanto, através da comunicação, as relações de poder, assimetrias, formas de dominação e violência associadas às diferenças entre um e outro também se materializam. Esse tem sido sempre o caso. Entretanto, hoje em dia, vemos que essas disputas por poder também se manifestam nas lutas comunicativas que se expressam nos espaços digitais. Essas batalhas nos espaços digitais, a violência, a polarização, não são “desordens” de informação como às vezes é sugerido. Elas são a expressão de um exercício de dominação. É a disputa para impor um senso de realidade que permite legitimar a hegemonia de um determinado grupo ou comunidade. Os grupos que exercem violência, polarizam ou atacam são os grupos que representam um sistema que legitima e endossa essa violência que se expressa em espaços digitais e físicos. Ou seja, o que vemos nos espaços sociodigitais é um correlato daqueles sistemas de polarização e violência que foram historicamente construídos como narrativas válidas para nos imaginarmos no mundo: a construção de quem é o inimigo, a superioridade racial, a superioridade dos homens sobre as mulheres, a superioridade dos países industrializados sobre os países não industrializados, entre outros.
Revista Communicare: Se, por um lado, podemos considerar que houve avanços no sentido das oportunidades de expressão, será que avançamos em comunicação, entendida como arena pública, como organização do comum?
Profa. Paola Ricaurte: Penso que também há diferentes áreas a serem consideradas aqui. É verdade que através de ferramentas digitais o grupo de pessoas com acesso a elas pôde experimentar uma expansão de seus direitos à informação. As pessoas conectadas podem implantar sua capacidade de comunicação e expressão, o que também tem levado a novos espaços de intercâmbio e organização dos bens comuns. Por exemplo, existem grupos que constroem espaços de cuidado e organização da luta social através de ferramentas digitais. Entretanto, se olharmos para o quadro geral, as lacunas ainda são muito profundas e vão além do acesso à Internet. Quase três bilhões de pessoas no mundo ainda estão desconectadas e privadas das condições que lhes permitem utilizar essas ferramentas para seu bem-estar pessoal e comunitário. E a pergunta que devemos sempre nos fazer quando falamos sobre acesso é a qualidade desse acesso e o tipo de tecnologias que procuramos acessar. Temos que mudar a lógica segundo a qual o acesso está associado ao uso de tecnologias proprietárias.
Revista Communicare: Faz sentido pensar que vivemos uma expansão das possibilidades de expressão, mas vivemos também uma espécie de “recolonização” em outras bases, a partir da ação das empresas de tecnologia, com as redes sociais, dados e algoritmos?
Profa. Paola Ricaurte: Bem, há um grupo de pesquisadores, incluindo eu mesma, que pensam que a colonialidade, como operação lógica que legitima a dominação baseada na superioridade racial e de gênero, hoje se manifesta através de sistemas sociotécnicos. Como mencionei antes, a capacidade de impor um modelo do mundo ainda está sob o controle dos países industrializados. As plataformas tecnológicas hegemônicas, derivadas de um modelo corporativo e neoliberal, contribuem para ampliar o domínio econômico e cognitivo de alguns países sobre outros, de formas de existir no mundo, o que é, naturalmente, racista e patriarcal. Para alguns autores, estamos vivendo um momento de digitalização de dados que envolve a digitalização da existência para fins mercantilistas. Esse extrativismo de dados serve como base para alimentar o sistema de produção de conhecimento através de algoritmos que geram modelos preditivos sobre pessoas e fenômenos sociais. Esse conhecimento é capitalizado por um pequeno conjunto de atores.
Revista Communicare: Seria possível, de alguma forma, pensar em saídas para os problemas da comunicação hoje? Do seu ponto de vista, quais são os principais problemas e quais seriam as eventuais soluções (ou caminhos)?
Profa. Paola Ricaurte: A produção de um modelo de mundo transcende o nível do conteúdo. É por isso que prefiro falar de sistemas sociotécnicos, pois isso implica compreender o papel da tecnologia como um produto social que reflete as condições de sua produção e que responde a um sistema econômico, com seu correspondente sistema de produção de conhecimento e seu ambiente de mídia. Não podemos ver essas dimensões isoladamente, pois estamos deixando de fora a base do que mencionei no início: um problema que tem a ver com as relações de poder que entram em jogo no nível social e que são realizadas através das relações comunicativas, tecnológicas, econômicas e políticas. Existem, por exemplo, iniciativas como o Movimento dos Não Alinhados Digitais que procuram retomar essas ideias que surgiram há muitas décadas como resultado de uma reflexão crítica sobre o desequilíbrio de forças no mundo e que deveríamos transformar urgentemente. Como o problema não é simples, as soluções são múltiplas e envolvem todos os atores sociais. Desde os aspectos mais macro em termos geopolíticos, até os mais micro, envolvendo práticas pessoais e coletivas. (Texto adaptado).
Assinale a alternativa que contenha apenas fontes ou tipos de energia renováveis.