Texto 1
Sentimental
Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.
Desgraçadamente falta
uma letra, uma letra somente
para acabar teu nome!
- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!
Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz
amarelo:
“Neste país é proibido sonhar.”
Carlos Drummond de Andrade, Obra Completa, 1ª edição, 1964. Companhia Aguilar Editora.
Texto 2
O Funcionário
No papel de serviço
Escrevo teu nome
(estranho à sala
como qualquer flor)
mas a borracha
vem e apaga.
Apaga as letras,
o carvão do lápis,
não o nome,
vivo animal,
planta viva
a arfar no cimento.
O macio monstro
impõe enfim o vazio
à página branca;
calma à mesa,
sono ao lápis,
aos arquivos, poeira;
fome à boca negra
das gavetas, sede
ao mata-borrão;
a mim, a prosa
procurada, o conforto
da poesia ida
João Cabral de Melo Neto, Poesias Completas, Editora Sabiá, 1ª edição, Rio de Janeiro, 1968.
- ( )
I – Ao ocupar-se de escrever o nome da amada “com letras de macarrão”, a voz poética do texto 1 colocase na contramão daqueles cuja preocupação é com o estômago. Por isso, eles, em nenhum momento, revelam adesão àquele “romântico trabalho”.
II – No texto 2, a borracha (lucidez racionalista) é o elemento simbólico empregado pela voz poética para recompor conscientemente um estado subjetivo desordenado.
III – A exemplo do que ocorre no texto 2, no texto 1 a voz poética também parece condenar o lirismo, mas, para isso, serviu-se do humor irônico, comprovado ,especialmente, pelo verso “esse romântico trabalho”.