Leia o texto a seguir para responder a QUESTÃO
E se as pessoas só pudessem ter um filho?
Ela caminha, ele resmunga. “Achei que o nosso trabalho da faculdade ia ser sobre icebergs.” Ela não reage, ele segue. “Ou petróleo. Ou cinema. Mas você insistiu tanto para que fosse sobre irmão. Por quê?” [...]
Ele e ela nasceram em uma realidade singular: neste mundo, todos são filhos únicos. Começou como exemplo, se tornou obrigação e, passado tanto tempo, é como as coisas são. A semana tem sete dias, as pessoas têm só um filho.
No começo do século 22, era isso ou o apocalipse. As previsões otimistas falharam: 20 bilhões de habitantes exauriam o mundo. Espécies eram extintas semanalmente. Mesmo com países inteiros transformados em pasto e lavoura, faltava comida. Mesmo com os rios amazônicos apropriados pela ONU, faltava água. [...]
Foi quando a Austrália decidiu ressuscitar a política do filho único, abandonada oficialmente pela China desde a revolução democrática de 2049. As regras eram rígidas e valiam para todos os residentes, cidadãos e imigrantes. Após o primeiro parto, as mulheres eram esterilizadas [...] Caso segundos filhos fossem descobertos, quem arcava com as consequências eram os adultos responsáveis. [...]
Após décadas como a escória do mundo, a Austrália passou a colher e divulgar resultados. Com menos gente, havia lugar para a fauna – coalas e cangurus foram recriados em laboratório e soltos na natureza. A previdência, reformulada e vitaminada por recursos liberados pela economia com educação, deixou de ser um problema. Cada geração, sempre metade da anterior, contava com mais dinheiro, espaço, opções de empregos. [...] O mundo, à beira de uma guerra mundial por recursos básicos, perdoou a Austrália. E seguiu seu exemplo.
É verdade que alguns líderes, ansiosos por sobrepujar vizinhos, mandaram seus povos se multiplicarem. Suas nações acabaram sendo atacadas com o controverso gás esterilizante [...] Ainda hoje, hordas de antirreprodutores fanáticos peregrinam até os locais atingidos para se tornarem estéreis.
E o mundo foi ficando menor. Ou melhor, diferente. Vagas nas escolas viraram camas de asilos. Buffets infantis deram lugar a estúdios de pilates. Universidades pertinho do metrô deram lugar a imensos bingos próximos de trens turísticos. Ídolos adolescentes deram lugar a celebridades de terceira, quarta, quinta idade. Quando alguém cogita derrubar o dogma de um filho só, a resposta é sólida: menos é mais. Por falta de carros, avenidas viraram parques. O trânsito... que trânsito? O crime, com cada vez menos jovens, caiu sucessivamente. Profissão, você escolhe a que quiser
[...].
A população das cidades encolheu, sobraram imóveis de todos os tipos. E faz 200 anos que ninguém sabe o que é dividir um quarto – ou qualquer outra coisa. Duzentos anos sem saber o que é ser caçula, mais velho, primo de alguém, sem os escudos e cicatrizes que vêm desse convívio.
[...]
URBIM, Emiliano. E se as pessoas só pudessem ter um filho? Super Interessante. Edição 326. São Paulo: Editora Abril: dezembro de 2013, p.96-97. (Adaptado).
Os termos em destaque “exauriam”, no terceiro parágrafo, “sobrepujar” e “hordas”, ambos no sexto parágrafo, podem ser substituídos, respectivamente, sem prejuízo ao sentido global do texto por