TEXTO:
As grandes cidades do nosso tempo são
também o lugar onde a ética da competição e a
pressão pelo status mais depressa conduzem ao
individualismo aberto e possessivo, ao mesmo tempo
[5] que a massificação materialista termina por levar
à fragmentação e à perda da individualidade.
Morosidade, mau humor, hostilidades dissimuladas ou
ostensivas, desordens psicológicas, violências, crimes
são sintomas diversos de uma mesma síndrome e se
[10] encontram num mesmo lugar social, que é o medo.
Há medos urbanos de toda natureza: objetivos e
subjetivos, individuais e coletivos, ocasionais e
permanentes, medos fundados e infundados. Eles
habitam o cotidiano dos cidadãos e o envolvem num
[15] drama. A cidade do medo termina por criar, todos os
dias, novos medos.
O maior medo é, sem dúvida, o medo da pobreza
e o medo dos pobres. Isso é grave, porque acabamos
sendo mais medrosos das vítimas que mesmo das
[20] causas da miséria. Sendo assim, teremos de nos
preparar para viver sob temores ainda mais vastos e
profundos, porque, no maravilhoso mundo novo que
agora nos preparam, as grandes cidades no Brasil
serão ainda maiores e mais carregadas de miséria. [...]
[25] De muito pouco adianta blaterar contra o
tamanho excessivo das cidades ou providenciar
estatísticas que façam crer que elas vão parar de
crescer. O que, em primeiro lugar, urge fazer é tomar
as cidades e a urbanização como realmente elas
[30] são e empreender o que há muito tempo se deixou
de fazer, isto é, um exame sistêmico estrutural do
fenômeno, como coisa global que ele é. Cabe, em
segundo lugar, formular cenários de longo prazo,
cujo conteúdo seja forçosamente menos urbanístico
[35] e mais de natureza econômica, social e política. [...]
No seu movimento atual, as grandes cidades
brasileiras já apontam, aliás, para o futuro. Para
ficar num só exemplo, a enorme extensão territorial
é agravada pela imobilidade absoluta ou relativa a
[40] que são condenados os habitantes mais pobres.
Ficam, desse modo, ainda mais pobres, subordinados
à lei do mercado quanto ao emprego e quanto à
disponibilidade de bens e serviços, mais raros e mais
caros, nas frações da cidade onde se encontram
[45] virtualmente confinados. Pode-se até imaginar que, a
prosseguir como vamos, as grandes cidades serão tão
fragmentadas material e socialmente quanto já o são
hoje os seus moradores. Todavia, tal fragmentação
pode levar à recriação de uma vida coletiva local, não
[50] independente da aglomeração como um todo,
mas representativa das condições de vida reinantes
em cada fragmento. [...] O que precisamos, antes do
mais, é procurar soluções nacionais integradas dos
fatores econômicos, sociais e políticos e que ajudem
[55] a transformar as regiões metropolitanas atuais em
verdadeiras regiões de cidades, ou, ainda melhor,
em autênticas federações urbanas, onde o ponto de
partida e o objetivo final seja esta categoria humana
praticamente inexistente no Brasil: o cidadão.
SANTOS, Milton. O país distorcido: o Brasil, a globalização e a cidadania. São Paulo: Publifolha, s.d. p. 126-128.
Em “a que são condenados” (l. 39-40), o termo de relação “a” faz referência a