TEXTO
CAPÍTULO I
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No cabeço saturado de sangue, nu e árido, destacando-se do perfil verde-escuro da serra Meruoca, e dominando o vale, onde repousava, reluzente ao sol, a formosa cidade intelectual, a casaria branca alinhada em ruas extensas e largas, os telhados vermelhos e as altas torres dos templos, rebrilhando em esplendores abrasados, surgia em linhas severas e fortes, o castelo da prisão, traçado pelo engenho de João Braga, massa ainda informe, áspera e escura, de muralhas sem reboco, enteadas em confusa floresta de andaimes a esgalharem e crescerem, dia a dia, numa exuberância fantástica de vegetação despida de folhas, de flores e frutos. Pela encosta de cortante piçarra, desagregado em finíssimo pó, subia e descia, em fileiras tortuosas, o formigueiro de retirantes, velhos e moços, mulheres e meninos, conduzindo materiais para a obra. Era um incessante vai e vem de figuras pitorescas, esquálidas, pacientes, recordando os heróicos povos cativos, erguendo monumentos imortais ao vencedor.
Acertara a Comissão de Socorros em substituir a esmola depressora pelo salário emulativo, pago em rações de farinha de mandioca, arroz, carne de charque, feijão e bacalhau, verdadeiras gulodices para infelizes criaturas, açoitadas pelo flagelo da seca, a calamidade estupenda e horrível que devastava o sertão combusto. Vinham de longe aqueles magotes heróicos, atravessando montanhas e planícies, por estradas ásperas, quase nus, nutridos de cardos, raízes intoxicantes e palmitos amargos, devoradas as entranhas pela sede, a pele curtida pelo implacável sol incandescente.
Na construção da cadeia havia trabalho para todos. Os mais fracos, debilitados pela idade ou pelo sofrimento, carregavam areia e água; aqueles que não suportavam mais a fadiga de andar amoleciam cipós para amarradio de andaimes; outros menos escarvados amassavam cal; os moços ainda robustos, homens de rija têmpera, superiores às inclemências, sóbrios e valentes, reluziam de suor britando pedra, guindando material aos pedreiros, ou conduzindo às costas, de longe, das matas do sobpé da serra, grossos madeiros enfeitados de palmas virentes, de ramos de pereiro de um verde fresco e brilhante, em festivo contraste com o sítio ressequido e desolado. E davam conta da tarefa, suave ou rude, uns gemendo, outros cantando álacres, numa expansão de alívio, de esperança renascida, velhas canções, piedosas trovas inolvidáveis, ou contemplando com tristeza nostálgica, o céu impassível, sempre límpido e azul, deslumbrante de luz.
Esse concerto esdrúxulo de vozes humanas em cânticos e queixumes, de rugidos da matéria transformando-se aos dentes dos instrumentos, aos golpes dos martelos, de brados de comando dos mestres e feitores, essa melopéia do trabalho amargurado ou feliz, era, às vezes, interrompido por estrídulos assobios, alarido de gritos, gargalhadas rasgadas e as vaias de meninos que se esganiçavam: era uma velha alquebrada que deixara cair a trouxa de areia; um cabra alto de hirsuta cabeleira marrafenta, lambuzado de cal, que escorregara ao galgar uma desconjuntada e vacilante escada, e lançava olhares ferozes à turba que o chasqueava, era a carreira constante das moças e meninas para as quais o trabalho era um brinquedo; eram gritos de dor de um machucado, rodeado pela multidão curiosa e compassiva, ou os gemidos de algum infeliz, tombando prostrado de fadiga, pedindo pelo amor de Deus, no estertor da hora extrema, não o deixassem morrer sem confissão, sem luz, como um bicho.
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Sobre o texto, assinale a opção verdadeira quanto às declarações dadas.
I- A maior parte da narrativa se dá pela construção de recursos descritivos.
II- Apensar de Luzia-Homem ser um romance cronologicamente classificado como naturalista, percebemos a construção lírica na elaboração e combinação das palavras. É o que se observa já no primeiro parágrafo.
III- Já no primeiro parágrafo, percebe-se que o texto trata da realidade dura dos retirantes, filhos da seca nordestina.
Assinale a opção verdadeira.