TEXTO:
Bienais
Sou um profissional do livro, tanto na mão como
na contramão, na voz ativa e na passiva. Acho que passei
a maior parte do meu tempo lendo ou escrevendo, e
confesso que, embora não me justifique, o contato com
[5] o livro tem sido o melhor da minha vida — ao lado de
outros prazeres, poucos e não bastantes.
Mesmo assim, não gosto da palavra “bienal”, usada
pelas feiras de livros que, felizmente, se realizam
anualmente. Mas considero o evento necessário
[10] para a promoção do livro como um todo, e não da
literatura em si.
Sempre ouvi dizer que há duas maneiras de ser
escritor. A primeira, a mais tradicional, é a do refúgio na
chamada torre de marfim, em que o autor se isola para
[15] não se promiscuir com o mercado.
A segunda considera o livro como um elo entre o
autor e o leitor, não diviniza nem demoniza a praxe,
aceita a regra do jogo e dá o seu recado.
Há gênios e imbecis nas duas categorias. Gênios
[20] que se isolam e imbecis que também cultivam a torre
que eles julgam ser de marfim.
Deve ser o meu caso, embora a minha torre seja
um escombro, mais inclinada e muito mais feia do que
a de Pisa.
[25] Não é por aí que a literatura sobrevive como arte e
como uma das vias mais importantes da cultura
universal e do enriquecimento espiritual. É difícil admitir
a existência de gênios inéditos, mas pode haver algum
a ser descoberto pela posteridade.
[30] No geral, o gênio pode tardar a ser reconhecido,
mas, antes disso, tem de pagar um preço: tirante a
própria vida, nada é gratuito na vida. Não há almoços
grátis.
Como gênio é coisa rara, e discutível, quem não é
[35] gênio precisa pagar o mico e, mais por humildade do
que por vaidade, se submeter à sua circunstância.
Por tudo isso, salve as bienais, principalmente as
anuais.
CONY, Carlos Heitor. Bienais. Folha de S. Paulo, São Paulo, 31 ago. 2010. Caderno Opinião, p. A 2.
A alternativa em que o fragmento apresenta um acontecimento e o que ele gerou é a