TEXTO:
A ideia de se poder definir o gênero homo
atribuindo-lhe a qualidade de sapiens, ou seja, de um
ser racional e sábio, é sem dúvida uma ideia pouco
racional e sábia. Ser Homo implica ser igualmente
[5] demens: em manifestar uma afetividade extrema,
convulsiva, com paixões, cóleras, gritos, mudanças
brutais de humor; em carregar consigo uma fonte
permanente de delírio; em crer na virtude de sacrifícios
sanguinolentos, e dar corpo, existência e poder a mitos
[10] e deuses de sua imaginação. Há no ser humano um
foco permanente de Ubris, a desmesura dos gregos.
A loucura humana é fonte de ódio, crueldade,
barbárie, cegueira. Mas sem as desordens da afetividade
e as irrupções do imaginário, e sem a loucura do
[15] impossível, não haveria élan, criação, invenção, amor,
poesia. O ser humano é um animal insuficiente, não
apenas na razão, mas é também dotado de desrazão.
Temos, entretanto, necessidade de controlar o
homo demens para exercer um pensamento racional,
[20] argumentado, crítico, complexo. Temos necessidade de
inibir em nós o que o demens tem de homicida, malvado,
imbecil. Temos necessidade de sabedoria, o que nos
requer prudência, temperança, comedimento,
desprendimento.
[25] O mundo em que vivemos talvez seja um mundo
de aparências, a espuma de uma realidade mais
profunda que escapa ao tempo, ao espaço, a nossos
sentidos e a nosso entendimento. Mas nosso mundo
da separação, da dispersão, da finitude significa também
[30] o mundo da atração, do reencontro, da exaltação. E
estamos plenamente imersos nesse mundo que é o de
nossos sofrimentos, felicidades e amores. Não
experimentá-lo é evitar o sofrimento, mas também não
haverá o gozo. Quanto mais estamos aptos à felicidade,
[35] mais nos aproximamos da infelicidade. [...] Se a
sabedoria nos incita ao desapego do mundo, da vida,
será que ela está sendo verdadeiramente sábia? Se
aspiramos à plenitude do amor, isso significa que somos
verdadeiramente loucos?
[40] O amor faz parte da poesia da vida. A poesia faz
parte do amor da vida. Amor e poesia engendram-se
mutuamente e podem identificar-se um com o outro.
Se o amor expressa o ápice supremo da sabedoria
e da loucura, é preciso assumir o amor.
[45] O excesso de sabedoria pode transformar-se em
loucura, mas a sabedoria só a impede, misturando-se à
loucura da poesia e do amor.
Nosso cotidiano vive sempre em busca do sentido.
Mas o sentido não é originário, não provém da
[50] exterioridade de nossos seres. Emerge da participação,
da fraternização, do amor. O sentido do amor e da poesia
é o sentido da qualidade suprema da vida. Amor e poesia,
quando concebidos como fins e meios do viver, dão
plenitude de sentido ao “viver por viver”.
[55] A partir daí, podemos assumir, mas com
plena consciência, o destino antropológico do homo
sapiens-demens, que implica nunca cessar de fazer
dialogar em nós mesmos sabedoria e loucura, ousadia
e prudência, economia e gasto, temperança e
[60] “consumação”,desprendimento e apego.
MORIN, Edgar. Amor, poesia, sabedoria. São Paulo: Bertrand Brasil, 2003, Prefácio. Adaptado. Não paginado.
Quanto à linha de raciocínio desenvolvida pelo autor, é coerente a análise da alternativa