UNIVAG 2018/1
60 Questões
“Na ausência de conforto existencial, agora nos decidimos pela segurança, ou pela aparência de segurança”, escrevem os organizadores da Hedgehog Review na introdução de um número especial dedicado ao medo.
O solo sobre o qual nossas expectativas de vida têm de se apoiar é reconhecidamente instável – tal como nossos empregos e as empresas que os oferecem, nossos parceiros e redes de amizade, a posição que ocupamos na sociedade e a autoestima e autoconfiança dela decorrentes. O “progresso”, que já foi a mais extrema manifestação de otimismo radical, promessa de felicidade universalmente compartilhada e duradoura, deslocou-se para o polo de previsão exatamente oposto, não tópico e fatalista. Agora significa uma ameaça de mudança inflexível e inescapável que pressagia não a paz e o repouso, mas a crise e a tensão contínuas, impedindo qualquer momento de descanso; uma espécie de dança das cadeiras em que um segundo de desatenção resulta em prejuízo irreversível e exclusão inapelável. Em vez de grandes expectativas e doces sonhos, o “progresso” evoca uma insô- nia repleta de pesadelos de “ser deixado para trás”, perder o trem ou cair da janela de um veículo em rápida aceleração.
Incapazes de reduzir o ritmo espantoso da mudança, ainda mais de prever e controlar sua direção, nós nos concentramos no que podemos ou acreditamos poder, ou no que nos garantem que podemos influenciar: tentamos calcular e minimizar o risco de nós pessoalmente, ou das pessoas que atualmente nos são mais próximas e mais queridas, sermos atingidos pelos incontáveis e indefiníveis perigos que o mundo opaco e seu futuro incerto nos reservam. Buscamos alvos substitutos, nos quais possamos descarregar o excesso de medo impedido de ter acesso aos escoadouros naturais, e encontramos esses paliativos nas cuidadosas precauções contra a fumaça do cigarro, a obesidade, a comida de lanchonete, o sexo desprotegido ou a exposição ao Sol. Aqueles que podem dar-se a esse luxo se munem contra todos perigos visíveis e invisíveis, presentes ou previstos, conhecidos ou ainda desconhecidos, difusos, mas ubíquos1 , trancando-se por trás de muros, equipando os acessos aos blocos residenciais com câmeras de TV, contratando seguranças armados, dirigindo veículos blindados, usando roupas à prova de bala ou frequentando aulas de artes marciais.
(Vida líquida, 2007. Adaptado.)
1ubíquo: que está ao mesmo tempo em toda a parte; onipresente.
De acordo com o autor,
“Na ausência de conforto existencial, agora nos decidimos pela segurança, ou pela aparência de segurança”, escrevem os organizadores da Hedgehog Review na introdução de um número especial dedicado ao medo.
O solo sobre o qual nossas expectativas de vida têm de se apoiar é reconhecidamente instável – tal como nossos empregos e as empresas que os oferecem, nossos parceiros e redes de amizade, a posição que ocupamos na sociedade e a autoestima e autoconfiança dela decorrentes. O “progresso”, que já foi a mais extrema manifestação de otimismo radical, promessa de felicidade universalmente compartilhada e duradoura, deslocou-se para o polo de previsão exatamente oposto, não tópico e fatalista. Agora significa uma ameaça de mudança inflexível e inescapável que pressagia não a paz e o repouso, mas a crise e a tensão contínuas, impedindo qualquer momento de descanso; uma espécie de dança das cadeiras em que um segundo de desatenção resulta em prejuízo irreversível e exclusão inapelável. Em vez de grandes expectativas e doces sonhos, o “progresso” evoca uma insô- nia repleta de pesadelos de “ser deixado para trás”, perder o trem ou cair da janela de um veículo em rápida aceleração.
Incapazes de reduzir o ritmo espantoso da mudança, ainda mais de prever e controlar sua direção, nós nos concentramos no que podemos ou acreditamos poder, ou no que nos garantem que podemos influenciar: tentamos calcular e minimizar o risco de nós pessoalmente, ou das pessoas que atualmente nos são mais próximas e mais queridas, sermos atingidos pelos incontáveis e indefiníveis perigos que o mundo opaco e seu futuro incerto nos reservam. Buscamos alvos substitutos, nos quais possamos descarregar o excesso de medo impedido de ter acesso aos escoadouros naturais, e encontramos esses paliativos nas cuidadosas precauções contra a fumaça do cigarro, a obesidade, a comida de lanchonete, o sexo desprotegido ou a exposição ao Sol. Aqueles que podem dar-se a esse luxo se munem contra todos perigos visíveis e invisíveis, presentes ou previstos, conhecidos ou ainda desconhecidos, difusos, mas ubíquos1 , trancando-se por trás de muros, equipando os acessos aos blocos residenciais com câmeras de TV, contratando seguranças armados, dirigindo veículos blindados, usando roupas à prova de bala ou frequentando aulas de artes marciais.
(Vida líquida, 2007. Adaptado.)
1ubíquo: que está ao mesmo tempo em toda a parte; onipresente.
Ao empregar a primeira pessoa do plural, o autor
“Na ausência de conforto existencial, agora nos decidimos pela segurança, ou pela aparência de segurança”, escrevem os organizadores da Hedgehog Review na introdução de um número especial dedicado ao medo.
O solo sobre o qual nossas expectativas de vida têm de se apoiar é reconhecidamente instável – tal como nossos empregos e as empresas que os oferecem, nossos parceiros e redes de amizade, a posição que ocupamos na sociedade e a autoestima e autoconfiança dela decorrentes. O “progresso”, que já foi a mais extrema manifestação de otimismo radical, promessa de felicidade universalmente compartilhada e duradoura, deslocou-se para o polo de previsão exatamente oposto, não tópico e fatalista. Agora significa uma ameaça de mudança inflexível e inescapável que pressagia não a paz e o repouso, mas a crise e a tensão contínuas, impedindo qualquer momento de descanso; uma espécie de dança das cadeiras em que um segundo de desatenção resulta em prejuízo irreversível e exclusão inapelável. Em vez de grandes expectativas e doces sonhos, o “progresso” evoca uma insô- nia repleta de pesadelos de “ser deixado para trás”, perder o trem ou cair da janela de um veículo em rápida aceleração.
Incapazes de reduzir o ritmo espantoso da mudança, ainda mais de prever e controlar sua direção, nós nos concentramos no que podemos ou acreditamos poder, ou no que nos garantem que podemos influenciar: tentamos calcular e minimizar o risco de nós pessoalmente, ou das pessoas que atualmente nos são mais próximas e mais queridas, sermos atingidos pelos incontáveis e indefiníveis perigos que o mundo opaco e seu futuro incerto nos reservam. Buscamos alvos substitutos, nos quais possamos descarregar o excesso de medo impedido de ter acesso aos escoadouros naturais, e encontramos esses paliativos nas cuidadosas precauções contra a fumaça do cigarro, a obesidade, a comida de lanchonete, o sexo desprotegido ou a exposição ao Sol. Aqueles que podem dar-se a esse luxo se munem contra todos perigos visíveis e invisíveis, presentes ou previstos, conhecidos ou ainda desconhecidos, difusos, mas ubíquos1 , trancando-se por trás de muros, equipando os acessos aos blocos residenciais com câmeras de TV, contratando seguranças armados, dirigindo veículos blindados, usando roupas à prova de bala ou frequentando aulas de artes marciais.
(Vida líquida, 2007. Adaptado.)
1ubíquo: que está ao mesmo tempo em toda a parte; onipresente.
“Aqueles que podem dar-se a esse luxo se munem contra todos perigos visíveis e invisíveis, presentes ou previstos, conhecidos ou ainda desconhecidos, difusos, mas ubíquos” (3° parágrafo)
No trecho, as conjunções em destaque têm valor
A ideia de transformar O alienista de Machado de Assis numa sátira à ditadura de 1964 estava no ar. Havia um paralelo óbvio entre o terror espalhado por Simão Bacamarte – o cientista maluco e sinistro que infelicitava a pacata Itaguahy – e o regime antipopular dos militares, com seus ministros da Fazenda que metiam medo e disciplinavam o país para o capital. Nelson Pereira dos Santos percebeu as possibilidades artísticas da comparação, da qual tirou um filme agoniado e interessante, o Azyllo muito louco. Em espírito parecido, houve tentativas também de adaptação para o teatro, entre as quais a minha. O que todos procurávamos era o respaldo de um clássico nacional acima de qualquer suspeita, além de remoto no tempo, que deixasse desarmada a censura e possibilitasse a crítica ao Estado policial.
O paralelo funcionava como uma via de duas mãos e tinha efeitos retroativos. Não era só o velho Machado que emprestava personagens e situações para falar da repressão em nosso presente. O caminho inverso também valia, sugerindo uma leitura menos convencional do mestre e, por meio dele, do passado brasileiro. O festival de desfaçatez armado por nossas elites logo em seguida ao golpe, com sua salada de modernização, truculência e provincianismo, ensinava a reconhecer aspectos até então recalcados da ironia machadiana. Esta aparecia a uma luz nova, muito mais ferina e política, de incrível atualidade. Noutras palavras, as revelações sociais trazidas pelo golpe de 64 desempoeiravam o maior de nossos clássicos.
(“A lata de lixo da história”, Revista Piauí, agosto de 2014.)
De acordo com o autor,
A ideia de transformar O alienista de Machado de Assis numa sátira à ditadura de 1964 estava no ar. Havia um paralelo óbvio entre o terror espalhado por Simão Bacamarte – o cientista maluco e sinistro que infelicitava a pacata Itaguahy – e o regime antipopular dos militares, com seus ministros da Fazenda que metiam medo e disciplinavam o país para o capital. Nelson Pereira dos Santos percebeu as possibilidades artísticas da comparação, da qual tirou um filme agoniado e interessante, o Azyllo muito louco. Em espírito parecido, houve tentativas também de adaptação para o teatro, entre as quais a minha. O que todos procurávamos era o respaldo de um clássico nacional acima de qualquer suspeita, além de remoto no tempo, que deixasse desarmada a censura e possibilitasse a crítica ao Estado policial.
O paralelo funcionava como uma via de duas mãos e tinha efeitos retroativos. Não era só o velho Machado que emprestava personagens e situações para falar da repressão em nosso presente. O caminho inverso também valia, sugerindo uma leitura menos convencional do mestre e, por meio dele, do passado brasileiro. O festival de desfaçatez armado por nossas elites logo em seguida ao golpe, com sua salada de modernização, truculência e provincianismo, ensinava a reconhecer aspectos até então recalcados da ironia machadiana. Esta aparecia a uma luz nova, muito mais ferina e política, de incrível atualidade. Noutras palavras, as revelações sociais trazidas pelo golpe de 64 desempoeiravam o maior de nossos clássicos.
(“A lata de lixo da história”, Revista Piauí, agosto de 2014.)
Nelson Pereira dos Santos percebeu as possibilidades artísticas da comparação, da qual tirou um filme agoniado e interessante, o Azyllo muito louco” (1° parágrafo)
Nesse trecho, o termo destacado é um verbo
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece
[a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
(Estrela da vida inteira, 1988.)
Um traço estilístico de Manuel Bandeira, observável nesse poema, é: