Questões de Literatura - Textos Literários
[...]
Um sino de vidro claro,
uma ampola cristalina e contrátil,
flutua calma no seu caminho.
“Peixinho, peixinho, deixe-a ir!
Peixinho, peixinho, se apresse em fugir!”
Ali atrás, longos fios transparentes se arrastam
e os olhos do peixinho a um banquete convidam.
“Serão, por acaso, minhocas o que eu vejo de repente?”
“Peixinho, peixinho, deixe-me alertar!
Peixinho, peixinho, não se deixe enganar!”
Próximo demais o peixinho chegou:
“Ai, ai, ai, agora ela me pegou!
Firme me amarrou e não consigo me soltar!
Firme me envolve e arde de matar!”
[...]
Tradução e adaptação de Flavia Souza, Stefano Hagen e Luiz Fontes.
O fragmento de poema apresentado foi escrito pelo naturalista Fritz Müller para suas filhas.
O trecho do poema permite afirmar que a predação é realizada por um/uma
Para responder à questão, leia a crônica “Despedida”, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), publicada originalmente no Jornal do Brasil em 05.06.1971, e a resposta de Edson Arantes do Nascimento (1940-2022), o Pelé, publicada no mesmo jornal em 29.06.1971.
Pelé despede-se em julho da Seleção Brasileira. Decidiu, está decidido. Querem que ele continue, mas sua educação esportiva se dilata em educação moral, e Pelé dá muito apreço à sua palavra. Se atender aos apelos, ficará bem com todo o mundo e mal consigo. Pelé não quer brigar com Pelé. Não abandonará de todo o futebol, pois continuará jogando pelo seu clube. Não vejo contradição nisto. Faz como um grande proprietário de terras, que trocasse a fazenda pela miniatura de um sítio: continua a ter águas, plantas, criação, a mesma luminosidade das horas — menos a imensidão, que acaba cansando. Ou como o leitor de muitos livros, que passasse a ler um só que contém o resumo de tudo. Pelé quer cultivar sua vida a seu gosto, ele que a vivia tanto ao gosto dos outros. Sua municipalização voluntária me encanta. Não é só pelo ato de sabedoria, que é sair antes que exijam a nossa saída. Uma atitude destas indica mais cautela do que desprendimento. É pelo ato de escolha — de escolher o mais simples, envolvendo renúncia e gentileza. As massas brasileiras e internacionais não poderão chamá-lo de ingrato, pois continuarão a vê-lo, aqui e no estrangeiro, em seu jogo de astúcia e arte. Mas ele passará a jogar como particular, um famoso incógnito, que não aspira às glórias de um quarto campeonato mundial. E com isso, dará lugar a outro, ou a outros, que por mais que caprichassem ficavam sempre um tanto encobertos pela sombra de Pelé — a sombra de que espontaneamente se desfaz. Bela jogada, a sua: a de não jogar como campeão, sendo campeoníssimo.
(Carlos Drummond de Andrade. Quando é dia de futebol, 2014.)
Estou comovido. Entre tantas coisas que dizem a meu respeito, generosas ou menos boas, suas palavras tiveram a rara virtude de se lembrarem do homem, da pessoa humana que quero ser, demonstrando compreensão e carinho por essa condição fundamental. Recortei sua crônica, não porque fala de mim, mas porque traduz, no primor de seu estilo, um apoio que me incentiva e me conforta.
(Pelé apud Carlos Drummond de Andrade. Quando é dia de futebol, 2014.)
Em sua resposta, Pelé mostra-se
ALEGRIAS DE JOANA
A liberdade que às vezes sentia. Não vinha de reflexões nítidas, mas de um estado como feito de percepções por demais orgânicas para serem formuladas em pensamentos. Às vezes, no fundo da sensação tremulava uma ideia que lhe dava leve consciência de sua espécie e de sua cor.
O estado para onde deslizava quando murmurava: eternidade. O próprio pensamento adquiria uma qualidade de eternidade. Aprofundava-se magicamente e alargava-se, sem propriamente um conteúdo e uma forma, mas sem dimensões também. A impressão de que se conseguisse manter-se na sensação por mais uns instantes teria uma revelação — facilmente, como enxergar o resto do mundo apenas inclinando-se da terra para o espaço. Eternidade não era só o tempo, mas algo como a certeza enraizadamente profunda de não poder contê-lo no corpo por causa da morte; a impossibilidade de ultrapassar a eternidade era eternidade; e também era eterno um sentimento em pureza absoluta, quase abstrato. Sobretudo dava ideia de eternidade a impossibilidade de saber quantos seres humanos se sucederiam após seu corpo, que um dia estaria distante do presente com a velocidade de um bólido.
Definia eternidade e as explicações nasciam fatais como as pancadas do coração. Delas não mudaria um termo sequer, de tal modo eram sua verdade. Porém mal brotavam, tornavam-se vazias logicamente. Definir a eternidade como uma quantidade maior que o tempo e maior mesmo do que o tempo que a mente humana pode suportar em ideia também não permitiria, ainda assim, alcançar sua duração. Sua qualidade era exatamente não ter quantidade, não ser mensurável e divisível porque tudo o que se podia medir e dividir tinha um princípio e um fim. Eternidade não era a quantidade infinitamente grande que se desgastava, mas eternidade era a sucessão.
LISPECTOR, Clarice. Perto do Coração Selvagem: Rio de Janeiro: Rocco, 2019.
As três palavras ou expressões que permitem que o leitor reconheça as alegrias de Joana, conforme o fragmento, são as seguintes:
O conto a seguir serve de base para responder à questão.
Entre as folhas do Verde O
O príncipe acordou contente. Era dia de caçada. Os cachorros latiam no pátio do castelo. Vestiu o colete de couro, calçou as botas. Os cavalos batiam os cascos debaixo da janela. Apanhou as luvas e desceu.
Lá embaixo parecia uma festa. Os arreios e os pelos dos animais brilhavam ao Sol. Brilhavam os dentes abertos em risadas, as armas, as trompas que deram o sinal de partida.
Na floresta também ouviram a trompa e o alarido. Todos souberam que eles vinham. E cada um se escondeu como pode.
Só a moça não se escondeu. Acordou com o som da tropa, e estava debruçada no regato quando os caçadores chegaram.
Foi assim que o príncipe a viu. Metade mulher, metade corça, bebendo no regato. A mulher tão linda. A corça tão ágil. A mulher ele queria amar, a corça ele queria matar. Se chegasse perto será que ela fugia? Mexeu num galho, ela levantou a cabeça ouvindo. Então o príncipe botou a flecha no arco, retesou a corda, atirou bem na pata direita. E quando a corça-mulher dobrou os joelhos tentando arrancar a flecha, ele correu e a segurou, chamando homens e cães.
Levaram a corça para o castelo. Veio o médico, trataram do ferimento. Puseram a corça num quarto de porta trancada. Todos os dias o príncipe ia visitá-la. Só ele tinha a chave. E cada vez se apaixonava mais. Mas a corça-mulher só falava a língua da floresta e o príncipe só sabia ouvir a língua do palácio. Então, ficavam horas se olhando calados, com tanta coisa para dizer.
Ele queria dizer que a amava tanto, que queria casar com ela e tê-la para sempre no castelo, que a cobriria de roupas e joias, que chamaria o melhor feiticeiro do reino para fazê-la virar toda mulher.
Ela queria dizer que o amava tanto, que queria se casar com ele e levá-lo para a floresta, que lhe ensinaria a gostar dos pássaros e das flores e que pediria à Rainha das Corças para dar-lhe quatro patas ágeis e um belo pelo castanho.
Mas o príncipe tinha a chave da porta. E ela não tinha o segredo da palavra.
Todos os dias se encontravam. Agora se seguravam as mãos. E no dia em que a primeira lágrima rolou nos olhos dela, o príncipe pensou ter entendido e mandou chamar o feiticeiro.
Quando a corça acordou, já não era mais corça. Duas pernas só, e compridas, um corpo branco. Tentou levantar, não conseguiu. O príncipe lhe deu a mão. Vieram as costureiras e a cobriram de roupas. Vieram os joalheiros e a cobriram de joias. Vieram os mestres de dança para ensinar-lhe a andar. Só não tinha a palavra. E o desejo de ser mulher.
Sete dias ela levou para aprender sete passos. E na manhã do oitavo dia, quando acordou e viu a porta aberta, juntou sete passos e mais sete, atravessou o corredor, desceu a escada, cruzou o pátio e correu para a floresta à procura de sua Rainha.
O Sol ainda brilhava quando a corça saiu da floresta, só corça, não mais mulher. E se pôs a pastar sob as janelas do palácio.
COLASANTI, Marina. Uma ideia toda azul. São Paulo: Global, 2005.
O conto começa com o relato da felicidade do príncipe porque era um dia de caçada. Ao longo do conto, entretanto, percebe-se que os interesses e a linguagem dos dois personagens da narrativa eram diferentes.
O trecho que confirma essa ideia é o seguinte:
Texto
Da solidão
Há muitas pessoas que sofrem do mal da solidão.
Basta que em redor delas se arme o silêncio, que não se
manifeste aos seus olhos nenhuma presença humana, para
que delas se apodere imensa angústia: como se o peso do
[5] céu desabasse sobre sua cabeça, como se dos horizontes
se levantasse o anúncio do fim do mundo.
No entanto, haverá na terra verdadeira solidão?
Não estamos todos cercados por inúmeros objetos, por
infinitas formas da Natureza e o nosso mundo particular
[10] não está cheio de lembranças, de sonhos, de raciocínios,
de ideias, que impedem uma total solidão?
Tudo é vivo e tudo fala, em redor de nós, embora
com vida e voz que não são humanas, mas que podemos
aprender a escutar, porque muitas vezes essa linguagem
[15] secreta ajuda a esclarecer o nosso próprio mistério. Como
aquele Sultão Mamude, que entendia a fala dos pássaros,
podemos aplicar toda a nossa sensibilidade a esse
aparente vazio de solidão: e pouco a pouco nos sentiremos
enriquecidos.
[20] Pintores e fotógrafos andam em volta dos objetos
à procura de ângulos, jogos de luz, eloquência de formas,
para revelarem aquilo que lhes parece não só o mais
estático dos seus aspectos, mas também o mais
comunicável, o mais rico de sugestões, o mais capaz de
[25] transmitir aquilo que excede os limites físicos desses
objetos, constituindo, de certo modo, seu espírito e sua
alma.
Façamo-nos também desse modo videntes:
olhemos devagar para a cor das paredes, o desenho das
[30] cadeiras, a transparência das vidraças, os dóceis panos
tecidos sem maiores pretensões. Não procuremos neles a
beleza que arrebata logo o olhar, o equilíbrio de linhas, a
graça das proporções: muitas vezes seu aspecto – como o
das criaturas humanas – é inábil e desajeitado. Mas não é
[35] isso que procuramos, apenas: é o seu sentido íntimo que
tentamos discernir. Amemos nessas humildes coisas a
carga de experiências que representam, e a repercussão,
nelas sensível, de tanto trabalho humano, por infindáveis
séculos.
[40] Amemos o que sentimos de nós mesmos, nessas
variadas coisas, já que, por egoístas que somos, não
sabemos amar senão aquilo em que nos encontramos.
Amemos o antigo encantamento dos nossos olhos infantis,
quando começavam a descobrir o mundo: as nervuras das
[45] madeiras, com seus caminhos de bosques e ondas e
horizontes; o desenho dos azulejos; o esmalte das louças;
os tranquilos, metódicos telhados... Amemos o rumor da
água que corre, os sons das máquinas, a inquieta voz dos
animais, que desejaríamos traduzir.
[50] Tudo palpita em redor de nós, e é como um dever
de amor aplicarmos o ouvido, a vista, o coração a essa
infinidade de formas naturais ou artificiais que encerram
seu segredo, suas memórias, suas silenciosas experiências.
A rosa que se despede de si mesma, o espelho onde pousa
[55] o nosso rosto, a fronha por onde se desenham os sonhos
de quem dorme, tudo, tudo é um mundo com passado,
presente, futuro, pelo qual transitamos atentos ou
distraídos. Mundo delicado, que não se impõe com
violência: que aceita a nossa frivolidade ou o nosso
[60] respeito; que espera que o descubramos, sem anunciar
nem pretender prevalecer; que pode ficar para sempre
ignorado, sem que por isso deixe de existir; que não faz da
sua presença um anúncio exigente " Estou aqui! estou
aqui! ". Mas, concentrado em sua essência, só se revela
[65] quando os nossos sentidos estão aptos para descobrirem.
E que em silêncio nos oferece sua múltipla companhia,
generosa e invisível.
Oh! se vos queixais de solidão humana, prestai
atenção, em redor de vós, a essa prestigiosa presença, a
[70] essa copiosa linguagem que de tudo transborda, e que
conversará convosco interminavelmente.
MEIRELES, Cecília. Da solidão. In: MEIRELES, Cecília. Janela Mágica. São Paulo: Global, 2016, pp. 71-74.
No texto, o eu lírico demonstra sentir-se
Texto
Da solidão
Há muitas pessoas que sofrem do mal da solidão.
Basta que em redor delas se arme o silêncio, que não se
manifeste aos seus olhos nenhuma presença humana, para
que delas se apodere imensa angústia: como se o peso do
[5] céu desabasse sobre sua cabeça, como se dos horizontes
se levantasse o anúncio do fim do mundo.
No entanto, haverá na terra verdadeira solidão?
Não estamos todos cercados por inúmeros objetos, por
infinitas formas da Natureza e o nosso mundo particular
[10] não está cheio de lembranças, de sonhos, de raciocínios,
de ideias, que impedem uma total solidão?
Tudo é vivo e tudo fala, em redor de nós, embora
com vida e voz que não são humanas, mas que podemos
aprender a escutar, porque muitas vezes essa linguagem
[15] secreta ajuda a esclarecer o nosso próprio mistério. Como
aquele Sultão Mamude, que entendia a fala dos pássaros,
podemos aplicar toda a nossa sensibilidade a esse
aparente vazio de solidão: e pouco a pouco nos sentiremos
enriquecidos.
[20] Pintores e fotógrafos andam em volta dos objetos
à procura de ângulos, jogos de luz, eloquência de formas,
para revelarem aquilo que lhes parece não só o mais
estático dos seus aspectos, mas também o mais
comunicável, o mais rico de sugestões, o mais capaz de
[25] transmitir aquilo que excede os limites físicos desses
objetos, constituindo, de certo modo, seu espírito e sua
alma.
Façamo-nos também desse modo videntes:
olhemos devagar para a cor das paredes, o desenho das
[30] cadeiras, a transparência das vidraças, os dóceis panos
tecidos sem maiores pretensões. Não procuremos neles a
beleza que arrebata logo o olhar, o equilíbrio de linhas, a
graça das proporções: muitas vezes seu aspecto – como o
das criaturas humanas – é inábil e desajeitado. Mas não é
[35] isso que procuramos, apenas: é o seu sentido íntimo que
tentamos discernir. Amemos nessas humildes coisas a
carga de experiências que representam, e a repercussão,
nelas sensível, de tanto trabalho humano, por infindáveis
séculos.
[40] Amemos o que sentimos de nós mesmos, nessas
variadas coisas, já que, por egoístas que somos, não
sabemos amar senão aquilo em que nos encontramos.
Amemos o antigo encantamento dos nossos olhos infantis,
quando começavam a descobrir o mundo: as nervuras das
[45] madeiras, com seus caminhos de bosques e ondas e
horizontes; o desenho dos azulejos; o esmalte das louças;
os tranquilos, metódicos telhados... Amemos o rumor da
água que corre, os sons das máquinas, a inquieta voz dos
animais, que desejaríamos traduzir.
[50] Tudo palpita em redor de nós, e é como um dever
de amor aplicarmos o ouvido, a vista, o coração a essa
infinidade de formas naturais ou artificiais que encerram
seu segredo, suas memórias, suas silenciosas experiências.
A rosa que se despede de si mesma, o espelho onde pousa
[55] o nosso rosto, a fronha por onde se desenham os sonhos
de quem dorme, tudo, tudo é um mundo com passado,
presente, futuro, pelo qual transitamos atentos ou
distraídos. Mundo delicado, que não se impõe com
violência: que aceita a nossa frivolidade ou o nosso
[60] respeito; que espera que o descubramos, sem anunciar
nem pretender prevalecer; que pode ficar para sempre
ignorado, sem que por isso deixe de existir; que não faz da
sua presença um anúncio exigente " Estou aqui! estou
aqui! ". Mas, concentrado em sua essência, só se revela
[65] quando os nossos sentidos estão aptos para descobrirem.
E que em silêncio nos oferece sua múltipla companhia,
generosa e invisível.
Oh! se vos queixais de solidão humana, prestai
atenção, em redor de vós, a essa prestigiosa presença, a
[70] essa copiosa linguagem que de tudo transborda, e que
conversará convosco interminavelmente.
MEIRELES, Cecília. Da solidão. In: MEIRELES, Cecília. Janela Mágica. São Paulo: Global, 2016, pp. 71-74.
O recurso que classifica o texto como uma crônica é a