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Acesse GrátisQuestões de Português - Gramática
Questão 4 6655653
Albert Einstein 2022Leia a crônica “Caso de justiceiro”, de Carlos Drummond de Andrade, para responder à questão.
Mercadinho é imagem de confusão organizada. Todos comprando tudo ao mesmo tempo em corredores estreitos, carrinhos e pirâmides de coisas se comprimindo, apalpamento, cheiração e análise visual de gêneros pelas madamas, e, a dominar o vozerio, o metralhar contínuo das registradoras. Um olho invisível, múltiplo e implacável, controla os menores movimentos da freguesia, devassa o mistério de bolsas e bolsos, quem sabe se até o pensamento. Parece o caos; contudo nada escapa à fiscalização. Aquela velhinha estrangeira, por exemplo, foi desmascarada.
— A senhora não pagou a dúzia de ovos quebrados.
— Paguei.
Antes que o leitor suponha ter a velhinha quebrado uma dúzia de ovos, explico que eles estão à venda assim mesmo, trincados. Por isso são mais baratos, e muita gente os prefere; casca é embalagem. A senhora ia pagar a dúzia de ovos perfeitos, comprada depois; mas e os quebrados, que ela comprara antes?
A velhinha se zanga e xinga em ótimo português-carioca o rapaz da caixa. O qual lhe responde boas, no mesmo idioma, frisando que gringo nenhum viria lá de sua terra da peste para dar prejuízo no Brasil, que ele estava ali para defender nosso torrão contra piratas da estranja. A mulher, fula de indignação, foi perdendo a voz. Caixeiros acorreram, tomando posição em defesa da pátria ultrajada na pessoa do colega; entre eles, alguns portugueses. A freguesia fez bolo. O mercadinho parou.
Eis que irrompe o tarzã de calção de banho ainda rorejante e berra para o caixa:
— Para com isso, que eu não conheço essa dona mas vê-se pela cara que é distinta.
— Distinta? Roubou cem cruzeiros à casa e insultou a gente feito uma danada.
— Roubou coisa nenhuma, e o que ela disse de você eu não ouvi mas subscrevo. O que você é, é um calhorda e quer fazer média com o patrão à custa de uma pobre mulher.
O outro ia revidar à altura, mas o tarzã não era de cinema, era de verdade, o que aliás não escapou à percepção de nenhum dos presentes. De modo que enquanto uns socorriam a velhinha, que desmaiava, outros passavam a apoiá- -la moralmente, querendo arrebentar aquela joça. O partido nacionalista acoelhou-se. Foram tratando de cerrar as portas, para evitar a repetição de Caxias. Quem estava lá dentro que morresse de calor; enquanto não viessem a radiopatrulha e a ambulância, a questão dos ovos ficava em suspenso.
— Ah, é? — disse o vingador. — Pois eu pago os cem cruzeiros pelos ovos mas você tem de engolir a nota.
Tirou-a do bolso do calção, fez uma bolinha, puxou para baixo, com dedos de ferro, o queixo do caixa, e meteu-lhe o dinheiro na boca.
Assistência deslumbrada, em silêncio admiracional. Não é todos os dias que se vê engolir dinheiro. O caixa começou a mastigar, branco, nauseado, engasgado.
Uma voz veio do setor de ovos:
— Ela não roubou mesmo não! Olha o dinheiro embaixo do pacote!
Outras vozes se altearam: “Engole mais os outros cem!” “Os ovos também!” “Salafra” “Isso!” “Aquilo!”.
A onda era tamanha que o tarzã, instrumento da justiça divina, teve de restabelecer o equilíbrio.
— Espera aí. Este aqui já pagou. Agora vocês é que vão engolir tudo, se maltratarem este rapaz.
(Carlos Drummond de Andrade. Cadeira de balanço, 2020.)
Observa-se um paradoxo entre os termos que compõem a seguinte expressão:
Questão 8 4428972
UNICAMP 1° Dia 2021Entre os versos de Gilberto Gil transcritos a seguir, podemos identificar uma relação paradoxal em:
Questão 3 5636076
FAMERP 2021Considere a crônica “Iniciativa”, de Carlos Drummond de Andrade, para responder à questão.
É sina de minha amiga penar pela sorte do próximo, se bem que seja um penar jubiloso. Explico-me. Todo sofrimento alheio a preocupa, e acende nela o facho da ação, que a torna feliz. Não distingue entre gente e bicho, quando tem de agir, mas como há inúmeras sociedades (com verbas) para o bem dos homens, e uma só, sem recursos, para o bem dos animais, é nesta última que gosta de militar. Os problemas aparecem-lhe em cardume, e parece que a escolhem de preferência a outras criaturas de menor sensibilidade e iniciativa. Os cães postam-se no seu caminho, e:
— Dona, me leva — murmuram-lhe os olhos surrados pela vida mas sempre meigos.
Outro dia o cão vinha pela rua, mancando, amarrado a um barbante e puxado por um bêbado pobre, mas tão bêbado como qualquer outro. Com o aperto do laço, o infeliz punha a alma pela boca. E o bêbado resmungava ameaças confusas. Minha amiga aproximou-se, com jeito.
— Não faça assim com o pobrezinho, que ele sufoca.
— Faço o que eu quero, ele é meu.
— Mas é proibido maltratar os animais.
— Eu não vou maltratar. Vou matar com duas navalhadas. Minha amiga pulou como Ademar Ferreira da Silva1.
— Me dá esse cachorro.
— Dar, não dou, mas vendo.
Dez cruzeiros selaram o negócio, e, livre do barbante, o cachorro embarcou no carro de minha amiga. Felizmente, anoitecia — e ela penetrou no apartamento, sem impugnação do porteiro. Que prodígios não faz para amortecer o latido dos hóspedes, lá dentro! (Uma vez, ante a reclamação do vizinho, explicou que era disco de jazz.) Já havia três cães instalados, não cabia mais. Tratou do bicho, chamou-lhe veterinário, curou-lhe a pata, deu-lhe vitamina e carinho. Só depois começou a providenciar uma casa de confiança para ele. Seu método consiste numa conversa mole com a pessoa: tem cachorro em casa? Por que não tem mais? Fugiu? Morreu de velho? (Se o cão fugiu, o dono não presta.) Conforme a ficha da pessoa, minha amiga lhe oferece o animal, ou não, e passa adiante.
Desta vez o escolhido foi José, contínuo de autarquia (não carece ser rico, mas bom, paciente, bem-humorado). José tem crianças, espaço cercado e vocação para dedicar- -se. Minha amiga ofereceu-se para levar o cachorro ao longe subúrbio, José disse que não precisava, ela insistiu, ele idem. Afinal foram juntos, o carro subiu ladeira, desceu ladeira, e no alto do morro desvendou-se a triste casa de José, que não era casa cercada, era um corredor de cabeça de porco2 , com cinco crianças, mulher e sogra de José empilhadas.
Minha amiga compreendeu. José era mais pobre do que o cachorro e sem um mínimo de dinheiro não se compra ar livre e espaço para brincar. Seria cruel dizer a José: “Volto com o cachorro”. Felizmente o animal salvou a situação, tentando morder um dos garotos que lhe fizera festa. Minha amiga iluminou-se: “Está vendo, José? Ele não se acostuma. Vou te trazer outro, novinho”. José, desolado, aquiesceu. Minha amiga saiu voando para a cidade, entrou numa dessas casas onde se martirizam animais à venda, e resgatou o menor dos cachorrinhos recém-nascidos, que já penava numa jaula sem água e alimento, a um sol de fogo. “Para este, qualquer coisa é negócio, e melhora a vida.” Levou-o rápido, para José, que o recebeu de alma embandeirada
Agora, minha amiga tem dois problemas: arranjar um dono para o cachorro do bêbado, e dar um jeito nos cinco filhos de José. Mas resolve, não tenham dúvida.
(70 historinhas, 2016.)
1Ademar Ferreira da Silva: atleta brasileiro, primeiro bicampeão olímpico do país; conquistou as medalhas de ouro no salto triplo nos Jogos de Helsinque 1952 e de Melbourne 1956.
2cabeça de porco: cortiço.
Verifica-se um aparente paradoxo entre os termos que compõem a expressão
Questão 1 5948814
PUC-GO Geral 2020/1Tanto na comunicação cotidiana quanto na produção de textos literários, o emprego da conotação, em conjunto com a denotação, contribui para um uso mais eficiente da língua.
Considere o texto a seguir:
Os guerrilheiros dispersaram para avançar. A serra mecânica – abelha furando um morro de salalé – continuava a sua tarefa. Havia o mecânico, que acionava a serra, e o ajudante, com a lata de gasolina e de óleo; mais atrás, quatro operários com machados. Todos tão embebidos na tarefa que não repararam nas sombras furtivas. Nem protestaram, quando viram os canos das pépéchás virados para eles. Os olhos abriram-se, o imenso branco dos olhos comendo a cara toda, a boca aberta num grito que não ousou sair e ficou vibrando interiormente. O Comissário e Ekuikui avançaram para a serra. Ekuikui encostou o cano da arma às costas do mecânico:
— Não mexe!
O mecânico olhou por cima do ombro e compreendeu rapidamente a situação. Fez parar a serra. O silêncio
que se seguiu furou os ouvidos dos guerrilheiros, subiu
às copas das árvores e ficou pairando, misturado à neblina que encobria o Mayombe.
— Todos para aqui, vamos! – ordenou o Comissário.
Juntaram os prisioneiros, revistaram-nos para procurar armas: retiraram dois canivetes.
— Há outros? – perguntou o Comissário.
— Ali – murmurou o mecânico, apontando o sítio para onde se dirigira o Chefe de Operações.
— Soldados?
— Só no quartel. A dez quilómetros.
— O branco?
— Está no camião.
— Vamos. E não tentem fugir, ninguém vos fará mal.
O cortejo partiu em direção ao ponto de encontro. Muatiânvua vigiava o mecânico, que carregava a serra. Os outros trabalhadores tremiam.
(PEPETELA, pseud. Mayombe. 5. ed. Lisboa: Publicações, Dom Quixote, 1993, p. 15.)
Analise atentamente a linguagem das informações apresentadas nos itens a seguir:
I - “Nem protestaram, quando viram os canos das pépéchás virados para eles. Os olhos abriram-se, o imenso branco dos olhos comendo a cara toda, a boca aberta num grito que não ousou sair e ficou vibrando interiormente.”
II - “Fez parar a serra. O silêncio que se seguiu furou os ouvidos dos guerrilheiros, subiu às copas das árvores e ficou pairando, misturado à neblina que encobria o Mayombe.”
III - “— Ali – murmurou o mecânico, apontando o sítio para onde se dirigira o Chefe de Operações.”
IV - “O cortejo partiu em direção ao ponto de encontro. Muatiânvua vigiava o mecânico, que carregava a serra. Os outros trabalhadores tremiam.”
Em quais dos trechos destacados o paroxismo das sensações é explorado conotativamente? Assinale a opção correta:
Questão 7 7520739
UFMS PASSE - 1ª Etapa 2020-2022As figuras de linguagem são recursos empregados para expandir os sentidos de um texto, geralmente utilizadas em textos literários, anúncios publicitários e canções. No trecho a seguir, qual é a figura de linguagem predominante?
“À tardinha a brisa no jardim
Embalando as flores tão belas
Exalando um doce perfume
É a primavera.”
PAGODINHO, Zeca. Perfeita harmonia. Disponível em: www.vagalume.com.br/zeca-pagodinho/perfeitaharmonia.html. Acesso em: 15 jan. 2015.
Questão 28 9415047
FEMA 2020Leia o trecho da crônica Boca de Luar, de Carlos Drummond de Andrade, para responder à questão.
– Você tem boca de luar, disse o rapaz para a namorada, e a namorada riu, perguntou ao rapaz que espécie de boca é essa, o rapaz respondeu que é uma boca toda enluarada, de dentes muito alvos e leitosos, entende? Ela não entendeu bem e tornou a perguntar, desta vez que lua correspondia à sua boca, se era crescente, minguante, cheia ou nova. Ao que o rapaz disse que minguante não podia ser, nem crescente, nem nova, só podia ser lua cheia, uai. Aí a moça disse que mineiro tem cada uma, onde é que viu boca de lua cheia, até parece boca cheia de lua, uma bobice. O rapaz não gostou de ser chamada de bobice a sua invenção, exclamou meio espinhado que boca de luar, mesmo sendo de luar de lua cheia, é completamente diferente – insistiu: com-ple-ta-men-te – de boca cheia de lua; é uma imagem poética e daí isso não tem nada que ver com mineiro, [...] Ah, disse a moça, você ficou zangado comigo, diga, ficouzinho? bobo, te chamo de bobo como te chamo meu bem, fica nervosinho não, eu agora estou sentindo que o que você falou é uma graça, boca de luar é legal, olha aqui, vou te dar um beijo superluar, você quer? Ele ensaiou uma cara de quem não quer ser beijado, mas os lábios da moça estavam já assumindo forma de beijo, avançavam para ele num movimento que parecia comandar e concentrar todo o corpo, como resistir? Pois resistiu, se bem que com intenção de ceder: daí a pouco. [...] Então, é assim? falou baixinho a moça, você não quer o meu beijo oferecido de coração, pois não vai ter mais nenhum nem agora, nem depois de amanhã nem nunca, ouviu, seu bolha? [...] E eu vou sofrer com isso? o moço não disse mas falou consigo mesmo, que bem me importa se ela não quer mais me beijar? eu beijo outras, beijo a prima dela, beijo milhões e acabou-se. Mas a moça, que despachara os lábios para o sem-fim, continuava diante dele, muito saborosa e séria, séria e saborosa, aquela pele fina e dourada, aqueles olhões, aquele busto, aquilo tudo de primeiríssima beleza, sem falar na boca ausente mas presente, sabe como é? Ele não sabia, mas a vontade de provar o beijo reapareceu depois que o beijo fora recusado para todo o sempre, e o rapaz avançou o braço direito para pegar docemente no queixo da moça, quem disse que o queixo cedeu? Ele fez um gesto mais positivo, tentando segurar o ombro da moça, o ombro esquivou-se ao toque, embora ela não recuasse. Continuavam próximos um do outro, a uma distância infinita do entendimento. [...] A moça visivelmente esperava o ataque, ele visivelmente se proibia de atacar, isso durou um tempão, com o beijo parado em potencial entre os poucos centímetros de uma boca a outra, eis senão quando – ui! – uma formiga, não mais que uma formiguinha, vinda de não se sabe que subterrâneo preparado para expedi-la, em momentos que tais, começou a subir ziguezagueando pelo pescoço da moça, ela deu um grito, ele se precipitou para caçar a formiguinha, os rostos tocaram-se, os lábios também, e o beijo desabrochou, flor na ponta de duas hastes conjugadas, superlunar e inevitável, beijo fluido e forte, resultante da incompreendida imagem poética ou da formiguinha encomendada, quem sabe, pelo rapaz ou pela moça?
(Boca de Luar. 1984)
Em “sem falar na boca ausente mas presente”, a expressão sublinhada constitui um exemplo de