Questões de Português - Gramática - Figuras de Linguagem - Aliteração
49 Questões
Para responder à questão, leia o poema de Marina Colasanti.
UM OUTRO DESTINO
Toda a vida aprendi
que a vitamina está na casca.
Agora na casca estão
os pesticidas
os defensivos agrícolas
os causadores de câncer.
A casca
e as vitaminas
jogamos ao lixo
com as lições da infância.
(COLASANTI, Marina. Passageira em trânsito. Rio de Janeiro: Record, 2009, p.92.)
Assinale a alternativa CORRETA sobre o texto.
Texto para a pergunta.
PAI CONTRA MÃE
A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a
outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a
certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também
a máscara de folha de flandres*. A máscara fazia perder o vício da embriaguez
[5] aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um
para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de
beber perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do
senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados
extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas
[10] a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez
o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas
não cuidemos de máscaras.
O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira
grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da
[15] cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos
castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava
um reincidente, e com pouco era pegado.
Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem
todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada,
[20] e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas
repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono
não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação,
porque dinheiro também dói.
Machado de Assis, Relíquias de casa velha.
* "folha de flandres": fina chapa de ferro laminado, coberta com uma camada de estanho.
No poema, além da reiteração da rima na estrofe 5, destacam-se os efeitos sonoros da assonância e da aliteração, respectivamente, nos versos:
Leia a letra da música “Segue o seco” de Carlinhos Brown.
A boiada seca
Na enxurrada seca
A trovoada seca
Na enxada seca
Segue o seco sem sacar que o caminho é seco
sem sacar que o espinho é seco
sem sacar que o seco é o Ser Sol
Sem sacar que algum espinho seco secará
E a água que sacar será um tiro seco
E secará o seu destino seca
Ô chuva vem me dizer
Se posso ir lá em cima prá derramar você
Ó chuva preste atenção
Se o povo lá de cima vive na solidão
Se acabar não acostumando
Se acabar parado calado
Se acabar baixinho chorando
Se acabar meio abandonado
Pode ser lágrimas de São Pedro
Ou talvez um grande amor chorando
Pode ser o desabotoado céu
Pode ser coco derramado
https://tinyurl.com/yanhydsb Acesso em: 02.12.2017
Um dos importantes aspectos para a interpretação dessa música é a sonoridade de seus versos. A repetição do fonema consonantal /s/ – como em “sacar” e “ser” – colabora para a construção e representação do cenário construído pela canção: a seca.
Selecione a alternativa em que a repetição intencional de fonema consonantal também acontece.
TEXTO
Quando era criança
Vivi, sem saber,
Só para hoje ter
Aquela lembrança.
E hoje que sinto
Aquilo que fui.
Minha vida flui,
Feita do que minto.
Mas nesta prisão,
Livro único, leio
O sorriso alheio
De quem fui então.
Fernando Pessoa, Cancioneiro
O texto é parte integrante da poesia de Fernando Pessoa. O poeta utiliza-se de vários recursos da linguagem poética, dentre os quais, o elemento sonoro. Marque a opção que justifica o explícito acima:
TEXTO A:
“O amor é um grande laço, um passo
pr'uma armadilha
Um lobo correndo em círculos
pra alimentar a matilha” (...)
Djavan – “Faltando um pedaço”
TEXTO B:
“Tá tudo aceso em mim
Tá tudo assim tão claro
Tá tudo brilhando em mim
Tudo ligado
Como se eu fosse um morro iluminado...”
Adriana Calcanhoto – “Ambar”
TEXTO C:
“Bem leve leve, releve
Quem pouse a pele em cima de madeira
Beira beira, quem dera, mera mera, cadeira” (...)
Marisa Monte e Arnaldo Antunes – “Bem leve”
As letras de música evidenciam, respectivamente, as seguintes figuras de linguagem:
Texto 1:
O Cio da Terra (Pena Branca e Xavantinho)
Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão
Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel
Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão
Texto 2:
O chão e o pão (Cecília Meireles)
O chão.
O grão.
O grão no chão.
O pão.
O pão e a mão.
A mão no pão.
O pão na mão.
O pão no chão?
Não.
Texto 3:
Oração do Milho (Cora Coralina)
“Senhor, nada valho.
Sou a planta humilde dos quintais pequenos
e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso,
nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e haste, e, se me ajudardes, Senhor,
mesmo planta de acaso, solitária,
dou espigas e devolvo em muitos grãos
o grão perdido inicial, salvo por milagre,
que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura.
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo,
de mim não se faz o pão alvo universal.
O justo não me consagrou Pão de Vida
nem lugar me foi dado nos altares.
Sou apenas o alimento forte e substancial
dos que trabalham a terra,
alimento de rústicos e animais de jugo.
Quando os deuses da Hélade corriam pelos
bosques, coroados de rosas e de espigas,
e os hebreus iam em longas caravanas
buscar na terra do Egito o trigo dos faraós,
quando Rute respigava cantando nas searas de
Booz e Jesus abençoava os trigais maduros,
eu era apenas o bró nativo das tabas ameríndias.
Fui o angu pesado e constante do escravo
na exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica do proprietário, sou a
polenta do imigrante e a amigo dos que começam a
vida em terra estranha.
Alimento de porcos e do triste mu de carga,
o que me planta não levanta comércio,
nem avantaja dinheiro.
Sou apenas a fartura generosa
e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.
Sou o canto festivo dos galos
na glória do dia que amanhece.
Sou o cacarejo alegre das poedeiras
à volta dos ninhos.
Sou a pobreza vegetal agradecida a vós,
Senhor,
que me fizestes necessário e humilde.
Sou o milho!”
Texto 4:
Macunaíma: o herói sem nenhum caráter (Mário de Andrade)
Uma feita o Sol cobrira os três manos de uma escaminha de suor e Macunaíma se lembrou de tomar banho. Porém no rio era impossível por causa das piranhas vorazes que de quando em quando na luta pra pegar um naco de irmã espedaçada, pulavam aos cachos pra fora d’água metro e mais. [...] E a cova era que nem a marca dum pé de gigante. Abicaram. O herói depois de muitos gritos por causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho. Mas a água era encantada porque aquele buraco na lapa era marca do pezão do Sumé, do tempo em que andava pregando o evangelho de Jesus pra indiada brasileira. Quando o herói saiu do banho estava branco louro e de olhos azuizinhos, água lavara o pretume dele.
[...] Nem bem Jiguê percebeu o milagre, se atirou na marca do pezão do Sumé. Porém a água já estava muito suja de negrura do herói e por mais que Jiguê esfregasse feito maluco atirando água para todos os lados só conseguiu ficar da cor do bronze novo. [...] Maanape então é que foi se lavar, mas Jiguê esborrifara toda água encantada pra fora da cova. Tinha só um bocado lá no fundo e Maanape conseguiu molhar só a palma dos pés e das mãos. Por isso ficou negro bem filho da tribo dos Tapanhumas. Só que as palmas das mãos e dos pés dele são vermelhas por terem se limpado na água santa. [...] E estava lindíssimo no sol da lapa os três manos um louro um vermelho outro negro, de pé bem erguidos e nus.
Texto 5:
Tratado descritivo do Brasil em 1587 - Capítulo CL - Em que se declara o modo e a linguagem dos Tupinambás (SOUZA, G. S. Disponível em: WWW.novomilenio.inf.br/santos/lendas/h0300a2pdf. Acesso em 18 maio 2015)
Ainda que os tupinambás se dividiram em bandos, e se inimizaram uns com outros, todos falam uma língua que é quase geral pela costa do Brasil, e todos têm uns costumes em seu modo de viver e gentilidades; os quais não adoram nenhuma coisa, nem têm nenhum conhecimento da verdade, nem sabem mais que há morrer e viver; e qualquer coisa que lhes digam, se lhes mete na cabeça, e são mais bárbaros que quantas criaturas Deus criou. Têm muita graça quando falam, mormente as mulheres; são mui compendiosas na forma da linguagem, e muito copiosos no seu orar; mas faltam-lhes três letras das do ABC, que são F, L, R grande ou dobrado, coisa muito para se notar; porque, se não têm F, é porque não têm fé em nenhuma coisa que adorem; nem os nascidos entre os cristãos e doutrinados pelos padres da Companhia têm fé em Deus Nosso Senhor, nem têm verdade, nem lealdade a nenhuma pessoa que lhes faça bem. E se não têm L na sua pronunciação, é porque não têm lei alguma que guardar, nem preceitos para se governarem; e cada um faz lei a seu modo, e ao som da sua vontade; sem haver entre eles leis com que se governem, nem têm leis uns com os outros. E se não têm esta letra R na sua pronunciação, é porque não têm rei que os reja, e a quem obedeçam, nem obedecem a ninguém, nem ao pai o filho, nem o filho ao pai, e cada um vive ao som da sua vontade; para dize-zerem Francisco dizem Pancico, para dizerem Lourenço dizem Rorenço, para dizerem Rodrigo dizem Rodigo; e por este modo pronunciam todos os vocábulos em que entram essas três letras.
Texto 6:
Vício da fala (Oswald de Andrade)
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.
Texto 7:
Simeão, o crioulo - (MACEDO, Joaquim Manuel de. Simeão, o crioulo, in: As vítimas-algozes)
No interior e principalmente longe da vila, ou da freguesia e dos povoados há quase sempre uma venda perto da fazenda: é a parasita que se apega à árvore; pior que isso, é a inimiga hipócrita que rende vassalagem à sua vítima. [...]
Essa parasita das fazendas e estabelecimentos agrícolas das vizinhanças facilmente se pode conhecer por suas feições e modos característicos, se nos é lícito dizer assim: uma se parece com todas e não há hipótese em que alguma delas, por mais dissimulada que seja, chegue a perder o caráter da família.
É uma pequena casa de taipa e coberta de telha, tendo às vezes na frente varanda aberta pelos três lados, também coberta de telha e com o teto sustido por esteios fortes, mas rudes e ainda mesmo tortos; as paredes nem sempre são caiadas, o chão não tem assoalho nem ladrilho [...].
A venda é pouco frequentada à luz do sol nos dias de serviço; nunca porém, ou raramente se acha solitária: ainda nesses mesmos dias de santo dever do trabalho, homens ociosos, vadios e turbulentos jogam ao balcão com um baralho de cartas machucadas, enegrecidas e como oleosas desde a manhã até o fim da tarde, e é milagre faltar algum incansável tocador de viola; mas apenas chega a noite, começa a concorrência e ferve o negócio.
Explorador das trevas protetoras dos vícios e do crime, o vendelhão baixo, ignóbil, sem consciência, paga com abuso duplo e escandaloso a garrafas de aguardente, a rolos de fumo, e a chorados vinténs o café, o açúcar e os cereais que os escravos furtam aos senhores; e cúmplice no furto efetuado pelos escravos, é ladrão por sua vez, roubando a estes nas medidas e no preço dos gêneros.
A venda não dorme: às horas mortas da noite vêm os quilombolas escravos fugidos e acoitados nas florestas, trazer o tributo de suas depredações nas roças vizinhas ou distantes ao vendelhão que apura nelas segunda colheita do que não semeou e que tem sempre de reserva para os quilombolas recursos de alimentação de que eles não podem prescindir, e também não raras vezes a pólvora e o chumbo para a resistência nos casos de ataque aos quilombos.
E o vendelhão é em regra a vigilância protetora do quilombola e o seu espião dissimulado que tem interesse em contrariar a polícia, ou as diligências dos senhores no encalço dos escravos fugidos.
Desprezível e nociva durante o dia, a venda é esquálida, medonha, criminosa e atroz durante a noite: os escravos, que aí então se reúnem, embebedam-se, espancam-se, tornando-se muitos incapazes de trabalhar na manhã seguinte; misturam as rixas e as pancadas com a conversação mais indecente sob o caráter e a vida de seus senhores, cuja reputação é ultrajada ao som de gargalhadas selvagens: inspirados pelo ódio, pelo horror, pelos sofrimentos inseparáveis da escravidão, se expandem em calúnias terríveis que às vezes chegam até a honra das esposas e das filhas dos senhores; atiçam a raiva que todos eles têm dos feitores, contando histórias lúgubres de castigos exagerados e de cruelíssimas vinganças, a cuja idéia se habituam; em sua credulidade estúpida e ilimitada esses desgraçados escutam boquiabertos a relação dos prodígios do feitiço, e se emprazam para as reuniões noturnas dos feiticeiros; e uns finalmente aprendem com outros mais sabidos a conhecer plantas maléficas, raízes venenosas que produzem a loucura ou dão a morte, e tudo isto e muito mais ainda envolta com a embriaguez, com a desordem, com o quadro da abjeção e do desavergonhamento já natural nas palavras, nas ações, nos gozos do escravo.
Aos domingos e nos dias santificados, a venda tem centuplicadas as suas glórias nefandas, aproveita a luz e as trevas, o dia e a noite, e por isso mesmo cada lavrador conta de menos na roça e demais na enfermaria alguns escravos na manhã do dia que se segue.
De ordinário, pelo menos muitas vezes, é nessas reuniões, é nesse foco de peste moral que se remeditam e planejam os crimes que ensanguentam e alvoroçam as fazendas. Na hipótese de uma insurreição de escravos, a venda nunca seria alheia ao tremendo acontecimento. Todavia tolera-se a venda: o governo não pode ignorar, a polícia local sabe, os fazendeiros e lavradores conhecem e sentem que essa espelunca ignóbil é fonte de vícios e de crimes, manancial turvo e hediondo de profunda corrupção, constante ameaça à propriedade, patíbulo da reputação, e em certos casos forja de arma assassina; porque é e será sempre o ponto de ajuntamento de escravos onde se conspire ou se inicie a conspiração; e ainda assim a venda subsiste e não há força capaz de aniquilá-la.
Porquê?...
É que se proibissem a venda, de que trato, se lhe fechassem a porta, se lhe destruíssem o teto, ela renasceria com outro nome, e, como quer que fosse, e, onde quer que fosse, havia de manter-se, embora dissimulada e abusivamente.
A lógica é implacável.
Não é possível que haja escravos sem todas as consequências escandalosas da escravidão: querer a úlcera sem o pus, o cancro sem a podridão é loucura ou capricho infantil.
Perigosa e repugnante por certo, e ainda assim não das mais formidáveis consequências da escravidão, a venda de que estou falando é inevitável; porque nasce da vida, das condições, e das exigências irresistíveis da situação dos escravos.
A venda é o espelho que retrata ao vivo o rosto e o espírito da escravidão.
[...].
Se quiserdes suprimir a venda-inferno, haveis de suprimir primeiro a escravidãodemônio.
Texto 8:
Essa negra Fulô (Jorge de Lima)
Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no banguê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama,
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!
Essa negrinha Fulô
ficou logo pra mucama,
pra vigiar a Sinhá
pra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!
Essa negra Fulô!
“Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco.”
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô? Ó Fulô?
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
“Minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou.”
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô? Ó Fulô?
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô.)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
- Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!
O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa.
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô.)
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou.
Ah! foi você que roubou.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dele pulou
nuinha a negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?
Essa negra Fulô!
Texto 9:
Por que não pregar contra a República? (Os Sertões. São Paulo: Círculo do Livro, 1975. p. 158-60.)
Pregava contra a República; é certo.
O antagonismo era inevitável. Era um derivativo à exacerbação mística; uma variante forçada ao delírio religioso.
Mas não traduzia o mais pálido intuito político: o jagunço é tão inapto para aprender a forma republicana como a monárquico-constitucional.
Ambas lhe são abstrações inacessíveis. É espontaneamente adversário de ambas. Está na fase evolutiva em que só é conceptível o império de um chefe sacerdotal ou guerreiro.
Insistamos sobre esta verdade: a guerra de Canudos foi um refluxo em nossa história. Tivemos, inopinadamente, ressurreta e em armas em nossa frente, uma sociedade velha, uma sociedade morta, galvanizada por um doido. Não a conhecemos. Não podíamos conhecê-la. Os aventureiros do século XVII, porém, nela topariam relações antigas, da mesma sorte que os iluminados da Idade Média se sentiriam à vontade, neste século, entre os demonopatas de Varzenis ou entre os Stundistas da Rússia. Porque essas psicoses epidêmicas despontam em todos os tempos e em todos os lugares como anacronismos palmares, contrastes inevitáveis na evolução desigual dos povos, patentes sobretudo quando um largo movimento civilizador lhes impele vigorosamente as camadas superiores.
Os perfectionistas exagerados rompem, então, ilógicos, dentre o industrialismo triunfante da América do Norte, e a sombria Sturmisch, inexplicavelmente inspirada pelo gênio de Klopstock, comparte o berço da renascença alemã...
Entre nós o fenômeno foi porventura ainda mais explicável. Vivendo quatrocentos anos no litoral vastíssimo, em que palejam reflexos da vida civilizada, tivemos de improviso, como herança inesperada, a República. Ascendemos, de chofre, arrebatados na caudal dos ideais modernos, deixando na penumbra secular em que jazem, no âmago do país, um terço da nossa gente. Iludidos por uma civilização de empréstimos; respigando, em faina cega de copistas, tudo o que de melhor existe nos códigos orgânicos de outras nações, tornamos,revolucionariamente, fugindo ao transigir mais ligeiro com as exigências da nossa própria nacionalidade, mais fundo o contraste entre o nosso modo de viver e o daqueles rudes patrícios mais estrangeiros nesta terra do que os imigrantes da Europa. Porque não no-los separa um mar, separam-no-los três séculos...
E quando pela nossa imprevidência inegável deixamos que entre eles se formasse um núcleo de maníacos, não vimos o traço superior do acontecimento. Abreviamos o espírito ao conceito estreito de uma preocupação partidária. Tivemos um espanto comprometedor ante aquelas aberrações monstruosas; e, com arrojo digno de melhores causas, batemo-los a cargas de baionetas, reeditando por nossa vez o passado, numa entrada inglória, reabrindo nas paragens infelizes as trilhas apagadas das bandeiras...Vimos no agitador sertanejo, do qual a revolta era um aspecto da própria rebeldia contra a ordem natural, adversário sério, estrênuo paladino do extinto regime, capaz de derruir as instituições nascentes.
Canudos era a Vendeia...
Entretanto quando nos últimos dias do arraial foi permitido ingresso nos casebres estraçoados, salteou o ânimo dos triunfadores decepção dolorosa. A vitória duramente alcançada dera-lhes direito à devassa dos lares em ruínas. Nada se eximiu à curiosidade insaciável.
Ora, no mais pobre dos saques que registra a História, onde foram despojos opinos imagens mutiladas e rosários de coco, o que mais acirrava a cobiça dos vitoriosos eram as cartas, quaisquer escritos e, principalmente, os desgraciosos versos encontrados. Pobres papéis, em que a ortografia bárbara corria parelha com os mais ingênuos absurdos e a escrita irregular e feia parecia fotografar o pensamento torturado, eles resumiam a psicologia da luta. Valiam tudo porque nada valiam. Registravam as prédicas de Antônio Conselheiro; e, lendo-as, põe-se de manifesto quanto eram elas afinal inócuas, refletindo o turvamento intelectual de um infeliz. Porque o que nelas vibra em todas as linhas, é a mesma religiosidade difusa e incongruente, bem pouca significação política permitindo emprestar-se às tendências messiânicas expostas.
O rebelado arremetia com a ordem constituída porque se lhe afigurava iminente o reino de delícias prometido.
Prenunciava-o a República – pecado mortal de um povo – heresia suprema indicadora do triunfo efêmero do anticristo. Os rudes poetas, rimando-lhe os desvarios em quadras incolores, sem a espontaneidade forte dos improvisos sertanejos, deixam bem vivos documentos nos versos disparatados, que deletreamos pensando, como Renan, que há, rude e eloquente, a segunda Bíblia do gênero humano, nesse gaguejar do povo.
Copiemos ao acaso alguns:
“Sahiu D. Pedro segundo
Para o reyno de Lisboa
Acabosse a monarquia
O Brazil ficou atôa!” [...]
Garantidos pela lei
Aquelles malvados estão
Nós temos a lei de Deus
Elles tem a lei do cão!” [...]
“Casamento vão fazendo
Só para o povo iludir
Vão casar o povo todo
No casamento civil!” [...]
“O Anti-Cristo nasceu
Para o Brazil governar
Mas ahi está o Conselheiro
Para delles nos livrar!” [...]
A lei do cão...
Este era o apotegma mais elevado da seita. Resumia-lhe o programa. Dispensa todos os comentários. Eram, realmente, fragílimos aqueles pobres rebelados... Requeriam outra reação. Obrigavam-nos a outra luta.
Entretanto enviamo-lhes o legislador Comblain; e esse argumento único, incisivo, supremo e moralizador – a bala. [...]
Texto 10:
Cidadão (Zé Geraldo)
Tá vendo aquele edifício moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Eram quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me chega um cidadão
E me diz desconfiado,
“Tu tá aí admirado
Ou tá querendo roubar?”
Meu domingo tá perdido
Vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar o meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer
Tá vendo aquele colégio moço?
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Pus a massa fiz cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
“Pai vou me matricular”
Mas me diz um cidadão
“Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar”
Esta dor doeu mais forte
Por que que eu deixei o norte
Eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava mas o pouco
que eu plantava
Tinha direito a comer
Tá vendo aquela igreja moço?
Onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo
Enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também
Lá sim valeu a pena
Tem quermesse, tem novena
E o padre me deixa entrar
Foi lá que Cristo me disse:
“Rapaz deixe de tolice
Não se deixe amedrontar
Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar”
Identifique a alternativa correspondente à sequência correta de nomes de figuras de estilo presentes nos trechos abaixo enumerados, constantes dos poemas que estão nesta prova.
1. “Para dizerem milho dizem mio/ Para melhor dizem mió/ Para pior pio/ Para telha dizem teia/ Para telhado dizem teiado”.
2. “Esta dor doeu mais forte/”.
3. “Sahiu D. Pedro segundo / Para o reyno de Lisboa/”.
4. “Recolher cada bago do trigo/”.
5. “Sou o canto festivo dos galos/” .
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