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Questão 3 86659
UNIFOR 2ª Fase 2012/1Leia o poema abaixo e assinale a alternativa em que a transitividade do verbo “acabar” é a mesma encontrada no segundo verso do poema de Carlos Drummond de Andrade.
JOSÉ
E agora José?
a festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta,
e agora, José?
[...]
(ANDRADE, Carlos Drummond de. A palavra mágica: poesia. 5.ed. Rio de Janeiro: Record, 1999, p.99).
Questão 43 97836
UnB 1° Dia 2012/2Texto para o item.
Iracema
[1] Além, muito além daquela serra, que ainda azula no
horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os
[4] cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que
seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a
[7] baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem
corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira
[10] tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando,
alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as
primeiras águas.
[13] Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da
floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca
do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre
[16] esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na
folhagem os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja,
[19] como à doce mangaba que corou em manhã de chuva.
Enquanto repousa, empluma das penas do guará as
flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no
[22] galho próximo, o canto agreste.
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto
dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem
[25] pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a
selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da
juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.
[28] Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue
a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista
perturba-se.
[31] Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro
estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta.
Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos
[34] o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos
cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha
[37] embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do
desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da
[40] espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião
de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu
mais d’alma que da ferida.
[43] O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei
eu. Porém, a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu
para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
[46] A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e
compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a
flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando
[49] consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
— Quebras comigo a flecha da paz?
[52] — Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de
meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro
guerreiro como tu?
[55] — Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das
terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.
— Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos
[58] tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de
Iracema.
José de Alencar. Iracema. São Paulo: Ed. Ática, 1991, p. 23.
Considerando o trecho acima, da obra Iracema, de José de Alencar, julgue o item.
Em “O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor” (l.40-41), o verbo aprender, empregado como intransitivo, tem o sentido de receber instrução ou educação.
Questão 9 605068
UNIFESP 2019Leia o trecho inicial do conto “A doida”, de Carlos Drummond de Andrade, para responder à questão.
A doida habitava um chalé no centro do jardim maltratado. E a rua descia para o córrego, onde os meninos costumavam banhar-se. Era só aquele chalezinho, à esquerda, entre o barranco e um chão abandonado; à direita, o muro de um grande quintal. E na rua, tornada maior pelo silêncio, o burro que pastava. Rua cheia de capim, pedras soltas, num declive áspero. Onde estava o fiscal, que não mandava capiná-la?
Os três garotos desceram manhã cedo, para o banho e a pega de passarinho. Só com essa intenção. Mas era bom passar pela casa da doida e provocá-la. As mães diziam o contrário: que era horroroso, poucos pecados seriam maiores. Dos doidos devemos ter piedade, porque eles não gozam dos benefícios com que nós, os sãos, fomos aquinhoados. Não explicavam bem quais fossem esses benefícios, ou explicavam demais, e restava a impressão de que eram todos privilégios de gente adulta, como fazer visitas, receber cartas, entrar para irmandades. E isso não comovia ninguém. A loucura parecia antes erro do que miséria. E os três sentiam-se inclinados a lapidar1 a doida, isolada e agreste no seu jardim.
Como era mesmo a cara da doida, poucos poderiam dizê-lo. Não aparecia de frente e de corpo inteiro, como as outras pessoas, conversando na calma. Só o busto, recortado numa das janelas da frente, as mãos magras, ameaçando. Os cabelos, brancos e desgrenhados. E a boca inflamada, soltando xingamentos, pragas, numa voz rouca. Eram palavras da Bíblia misturadas a termos populares, dos quais alguns pareciam escabrosos, e todos fortíssimos na sua cólera.
Sabia-se confusamente que a doida tinha sido moça igual às outras no seu tempo remoto (contava mais de sessenta anos, e loucura e idade, juntas, lhe lavraram o corpo). Corria, com variantes, a história de que fora noiva de um fazendeiro, e o casamento uma festa estrondosa; mas na própria noite de núpcias o homem a repudiara, Deus sabe por que razão. O marido ergueu-se terrível e empurrou-a, no calor do bate- -boca; ela rolou escada abaixo, foi quebrando ossos, arrebentando-se. Os dois nunca mais se veriam. Já outros contavam que o pai, não o marido, a expulsara, e esclareciam que certa manhã o velho sentira um amargo diferente no café, ele que tinha dinheiro grosso e estava custando a morrer – mas nos racontos2 antigos abusava-se de veneno. De qualquer modo, as pessoas grandes não contavam a história direito, e os meninos deformavam o conto. Repudiada por todos, ela se fechou naquele chalé do caminho do córrego, e acabou perdendo o juízo. Perdera antes todas as relações. Ninguém tinha ânimo de visitá-la. O padeiro mal jogava o pão na caixa de madeira, à entrada, e eclipsava-se. Diziam que nessa caixa uns primos generosos mandavam pôr, à noite, provisões e roupas, embora oficialmente a ruptura com a família se mantivesse inalterável. Às vezes uma preta velha arriscava-se a entrar, com seu cachimbo e sua paciência educada no cativeiro, e lá ficava dois ou três meses, cozinhando. Por fim a doida enxotava-a. E, afinal, empregada nenhuma queria servi-la. Ir viver com a doida, pedir a bênção à doida, jantar em casa da doida, passaram a ser, na cidade, expressões de castigo e símbolos de irrisão3 .
Vinte anos de uma tal existência, e a legenda está feita. Quarenta, e não há mudá-la. O sentimento de que a doida carregava uma culpa, que sua própria doidice era uma falta grave, uma coisa aberrante, instalou-se no espírito das crianças. E assim, gerações sucessivas de moleques passavam pela porta, fixavam cuidadosamente a vidraça e lascavam uma pedra. A princípio, como justa penalidade. Depois, por prazer. Finalmente, e já havia muito tempo, por hábito. Como a doida respondesse sempre furiosa, criara-se na mente infantil a ideia de um equilíbrio por compensação, que afogava o remorso.
Em vão os pais censuravam tal procedimento. Quando meninos, os pais daqueles três tinham feito o mesmo, com relação à mesma doida, ou a outras. Pessoas sensíveis lamentavam o fato, sugeriam que se desse um jeito para internar a doida. Mas como? O hospício era longe, os parentes não se interessavam. E daí – explicava-se ao forasteiro que porventura estranhasse a situação – toda cidade tem seus doidos; quase que toda família os tem. Quando se tornam ferozes, são trancados no sótão; fora disto, circulam pacificamente pelas ruas, se querem fazê-lo, ou não, se preferem ficar em casa. E doido é quem Deus quis que ficasse doido... Respeitemos sua vontade. Não há remédio para loucura; nunca nenhum doido se curou, que a cidade soubesse; e a cidade sabe bastante, ao passo que livros mentem.
(Contos de aprendiz, 2012.)
1 lapidar: apedrejar.
2 raconto: relato, narrativa.
3 irrisão: zombaria.
Em “Não aparecia de frente e de corpo inteiro, como as outras pessoas, conversando na calma” (3° parágrafo), o termo sublinhado é um verbo
Questão 6 1373511
UESB 1° Dia 2018TEXTO:
"Eu me amo, eu me amo, não posso mais viver sem mim": narcisismo, ciberespaço e capitalismo
Caetano Veloso, em tom poético, cantou que
"Narciso acha feio o que não é espelho". O Mito de
Narciso é uma história que nos remete à mitologia
grega, uma história que fala sobre um jovem que, ao
[5] se deparar com sua imagem na lâmina d'água de um
lago, apaixona-se por si mesmo. O mito é utilizado
para fazer referência ao apego de muitas pessoas a si
mesmas. Essas pessoas são geralmente chamadas de
narcisistas ou até mesmo de egocêntricas.
[10] Narcisismo e egocentrismo são dois termos de
grande difusão social, o que se deve à Psicanálise, que
utilizou o mito de Narciso para explicar a dificuldade
de muitas pessoas em adiar suas satisfações, guiadas
por um sentimento de urgência. Daí surgiu o termo
[15] narcisismo, que consiste numa fixação presente nos
primeiros estágios do desenvolvimento humano,
quando somos guiados pela urgência de satisfazer
nossas necessidades. A criança chora e a mãe dá-lhe
o peito. A satisfação quase sempre é imediata. Disso
[20] podem resultar registros mentais que levam à busca
de satisfação imediata, e, no futuro, a pessoa pode se
tornar um adulto que toma a si mesmo como medida
de todas as coisas, ou seja, coloca seu "eu" (ego) como
centro do universo.
[25] Ego é outro termo psicanalítico. Quase um sinônimo
de "eu", o ego seria a estrutura mental responsável por
negociar com o id (inconsciente) quando a satisfação de
nossos desejos ocorrerá. O ego é regido pelo princípio
de realidade, dominado pela razão; já o id é regido pelo
[30] princípio do prazer, da busca de satisfação de desejos
reprimidos. Um ego frágil vai ceder aos impulsos do
id, tendo, portanto, dificuldades de adiar a satisfação
dos desejos e de lidar com frustrações. Deriva dessa
dificuldade o egocentrismo. Daí a aproximação entre os
[35] conceitos de narcisismo e egocentrismo.
Essa propensão à intolerância quase sempre é
produto de esquemas de reforçamento contínuo. Nesse
tipo de esquema, o reforço segue o comportamento
praticamente todas as vezes que ele é emitido e
[40] costuma estar presente em histórias de pessoas
"mimadas", que tiveram de se esforçar muito pouco para
obter a satisfação de suas necessidades e desejos, pois
os pais ou outros membros da família quase sempre
proviam essa satisfação ao menor sinal de alteração
[45] emocional. É sabido que quanto mais imediato um
reforço ocorre depois de um comportamento, maior
a chance de esse comportamento ser fortalecido.
Portanto, a intolerância como padrão comportamental
pode ter relação com o esquema de reforçamento e
[50] com a imediaticidade com a qual os reforços foram
apresentados ao longo da história do indivíduo.
Sendo assim, pessoas podem se tornar reféns do
reforço, tornando-se incapazes de adiar a satisfação
de seus desejos e necessidades. São modeladas não
[55] somente para ser intolerantes às frustrações, como
também para buscar satisfação imediata. Elas se
tornam presas fáceis do ciberespaço, onde a satisfação
pode ser obtida apenas com um clique.
No ciberespaço, tudo parece ser mais fácil. As
[60] amizades são virtuais, sendo assim, os aborrecimentos
podem ser evitados bloqueando ou excluindo alguém
da rede de contatos. O prazer pode ser buscado em
chats e redes sociais.
Talvez seja hora de parar e pensar nos efeitos da
[65] cultura digital sobre o comportamento das pessoas.
Essa cultura não criaria circunstâncias favoráveis para
a modelagem de comportamentos narcisistas? Essa
cultura não favorece o fechamento sobre si mesmo,
de modo que as pessoas passem a entender que se
[70] bastam a si mesmas? Essa cultura não acaba por
favorecer o individualismo? Quais são os efeitos da
obtenção tão facilitada de reforços com apenas um
clique?
Se, na vida real, os reforços podem ser adiados
[75] por causa de uma série de circunstâncias, no
ciberespaço eles são facilmente obtidos. Mas que
tipos de comportamentos estão sendo reforçados?
Comportamentos de não fazer nada, ou de se
empenhar em atividades que concorrem com outras
[80] mais produtivas. Muitas empresas bloqueiam o acesso
a chats e redes sociais, pois navegar em tais redes e
chats afeta o trabalho e a produtividade, acarretando
prejuízos.
Não estaria o mundo digital contribuindo para a
[85] criação de uma cultura do imediatismo? Creio que
não. Talvez esteja apenas fortalecendo contingências
que já operavam no mundo antes de sua existência,
contingências que fazem parte de um mundo capitalista
em que "tempo é dinheiro", um mundo do "just in time",
[90] um mundo regido pela urgência em produzir, pois
existe, de outra parte, a urgência em consumir. Um
mundo, pois, regido por produção versus consumo.
Se produzir com urgência é preciso, pois existe
premência de consumir o que se produz, cria-se um
[95] círculo vicioso em que o consumo é uma satisfação
inadiável e é realizado sem que se pense nas
consequências, sem consciência das contingências
que o determinam. Dessa forma, não se questiona
sobre o que está sendo consumido, pois o que importa
[100] é consumir para obter prazer.
O produto desse ciclo é a construção de pessoas
cada vez menos conscientes dos determinantes
de seu comportamento, incapazes de assumir um
posicionamento crítico sobre seu modo de vida e o
[105] mundo em que vivem, inseridas numa teia de consumo
em que elas mesmas são um produto à venda em
stands reais e virtuais. O não pensar nas consequências
produz pessoas alienadas, enamoradas por seu prazer,
como Narciso por sua imagem refletida no espelho
[110] d'água, pessoas que podem ser descritas com o refrão
da música do Ultraje a Rigor: "Eu me amo, eu me amo,
não posso mais viver sem mim".
Adaptado de Ribeiro, Bruno Alvarenga. "Eu me amo, eu me amo, não posso mais viver sem mim": narcisismo, ciberespaço e capitalismo. Em: http://cafe-com-ciencia.blogspot.com.br/2012/08/eu-me-amoeu-me-amo-nao-posso-mais.html. Acesso em 10.01.2018. Passim.
Marque com V ou com F, conforme sejam verdadeiras ou falsas as alternativas que apresentam fatos de morfossintaxe.
( ) Tanto em “Narciso acha feio” (l. 2) como em “O Mito de Narciso é uma história” (l. 2-3), o predicado é nominal.
( ) Em “apaixona-se por si mesmo.” (l. 6), há uma ocorrência de verbo pronominal.
( ) Em “apego de muitas pessoas a si mesmas.” (l. 7-8), verifica-se a ocorrência de objeto direto e objeto indireto.
( ) Em “Daí surgiu o termo narcisismo” (l. 14-15), o verbo é intransitivo.
( ) Em “Disso podem resultar registros mentais” (l. 19-20) e “Deriva dessa dificuldade o egocentrismo.” (l. 33-34), os sujeitos estão pospostos.
A alternativa que contém a sequência correta, de cima para baixo, é a
Questão 5 212974
UNIVAG 2018/1A ideia de transformar O alienista de Machado de Assis numa sátira à ditadura de 1964 estava no ar. Havia um paralelo óbvio entre o terror espalhado por Simão Bacamarte – o cientista maluco e sinistro que infelicitava a pacata Itaguahy – e o regime antipopular dos militares, com seus ministros da Fazenda que metiam medo e disciplinavam o país para o capital. Nelson Pereira dos Santos percebeu as possibilidades artísticas da comparação, da qual tirou um filme agoniado e interessante, o Azyllo muito louco. Em espírito parecido, houve tentativas também de adaptação para o teatro, entre as quais a minha. O que todos procurávamos era o respaldo de um clássico nacional acima de qualquer suspeita, além de remoto no tempo, que deixasse desarmada a censura e possibilitasse a crítica ao Estado policial.
O paralelo funcionava como uma via de duas mãos e tinha efeitos retroativos. Não era só o velho Machado que emprestava personagens e situações para falar da repressão em nosso presente. O caminho inverso também valia, sugerindo uma leitura menos convencional do mestre e, por meio dele, do passado brasileiro. O festival de desfaçatez armado por nossas elites logo em seguida ao golpe, com sua salada de modernização, truculência e provincianismo, ensinava a reconhecer aspectos até então recalcados da ironia machadiana. Esta aparecia a uma luz nova, muito mais ferina e política, de incrível atualidade. Noutras palavras, as revelações sociais trazidas pelo golpe de 64 desempoeiravam o maior de nossos clássicos.
(“A lata de lixo da história”, Revista Piauí, agosto de 2014.)
Nelson Pereira dos Santos percebeu as possibilidades artísticas da comparação, da qual tirou um filme agoniado e interessante, o Azyllo muito louco” (1° parágrafo)
Nesse trecho, o termo destacado é um verbo
Questão 20 254250
UNIFESP 2018Oitocentos homens desapareciam em fuga, abandonando as espingardas; arriando as padiolas, em que se estorciam feridos; jogando fora as peças de equipamento; desarmando- -se; desapertando os cinturões, para a carreira desafogada; e correndo, correndo ao acaso, correndo em grupos, em bandos erradios, correndo pelas estradas e pelas trilhas que as recortam, correndo para o recesso das caatingas, tontos, apavorados, sem chefes...
Entre os fardos atirados à beira do caminho ficara, logo ao desencadear-se o pânico – tristíssimo pormenor! – o cadáver do comandante. Não o defenderam. Não houve um breve simulacro de repulsa contra o inimigo, que não viam e adivinhavam no estrídulo dos gritos desafiadores e nos estampidos de um tiroteio irregular e escasso, como o de uma caçada. Aos primeiros tiros os batalhões diluíram-se.
Apenas a artilharia, na extrema retaguarda, seguia vagarosa e unida, solene quase, na marcha habitual de uma revista, em que parava de quando em quando para varrer a disparos as macegas traiçoeiras; e prosseguindo depois, lentamente, rodando, inabordável, terrível...
[...]
Um a um tombavam os soldados da guarnição estoica. Feridos ou espantados os muares da tração empacavam; torciam de rumo; impossibilitavam a marcha.
A bateria afinal parou. Os canhões, emperrados, imobilizaram-se numa volta do caminho...
O coronel Tamarindo, que volvera à retaguarda, agitando-se destemeroso e infatigável entre os fugitivos, penitenciando- se heroicamente, na hora da catástrofe, da tibieza anterior, ao deparar com aquele quadro estupendo, procurou debalde socorrer os únicos soldados que tinham ido a Canudos. Neste pressuposto ordenou toques repetidos de “meia-volta, alto!”. As notas das cornetas, convulsivas, emitidas pelos corneteiros sem fôlego, vibraram inutilmente. Ou melhor – aceleraram a fuga. Naquela desordem só havia uma determinação possível: “debandar!”.
Debalde alguns oficiais, indignados, engatilhavam revólveres ao peito dos foragidos. Não havia contê-los. Passavam; corriam; corriam doudamente; corriam dos oficiais; corriam dos jagunços; e ao verem aqueles, que eram de preferência alvejados pelos últimos, caírem malferidos, não se comoviam. O capitão Vilarim batera-se valentemente quase só e ao baquear, morto, não encontrou entre os que comandava um braço que o sustivesse. Os próprios feridos e enfermos estropiados lá se iam, cambeteando, arrastando-se penosamente, imprecando os companheiros mais ágeis...
As notas das cornetas vibravam em cima desse tumulto, imperceptíveis, inúteis...
Por fim cessaram. Não tinham a quem chamar. A infantaria desaparecera...
(Os sertões, 2016.)
Em “Um a um tombavam os soldados da guarnição estoica.” (4o parágrafo), o termo destacado é um