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Dupla perversidade
O voto do ministro Celso de Mello na quarta-feira, consagrando a admissibilidade de um segundo julgamento
para certos crimes de certos réus, constituiu-se num dos mais brilhantes, se não o mais brilhante, dos já
proferidos ao longo do processo do mensalão. O decano do Supremo Tribunal Federal matou a questão a pau em
dois planos — o dos direitos humanos e o legal. No dos direitos humanos, ou antes da filosofia dos direitos
humanos, defendeu com sabedoria o direito de os réus merecerem uma segunda apreciação de suas
condenações. No plano legal, com a erudição e a competência que o caracterizam, defendeu a questão central de
estabelecer se continuavam ou não em vigor os chamados embargos infringentes com um argumento decisivo ao
lembrar que em 1998 o governo FHC apresentou ao Congresso projeto prevendo explicitamente sua extinção — e
o Congresso o rejeitou. Se assim ocorreu, resulta cristalino que continuam em vigor. O problema é que…
O problema é que no julgamento de quarta-feira a figura douta, judiciosa e altaneira do ministro Celso de Mello,
tanto mais insuspeita quanto tem sido ele um dos mais duros na condenação dos réus, soou mais do que nunca
como fora do lugar. Celso de Mello — e isto vai sem ironia, antes a seu favor do que desfavor — é uma figura do
Brasil que queremos. No entanto, julgou para o Brasil que temos. E as consequências de seu voto, no Brasil que
temos, são duas, iguais em perversidade: (1) a eternização do processo; (2) uma decisão final eventualmente
favorável aos réus contaminada pela suspeita de alteração trapaceira do script com a entrada em cena de dois
novos integrantes da corte.
A conquista da eternidade na terra foi o sonho vão dos alquimistas. No céu, é artigo de fé, portanto não
comprovável, das religiões. A eternidade dos processos, no entanto, é no Brasil fenômeno nada sobrenatural,
fincado com histórica solidez no cenário nacional graças à coligação invencível das conveniências dos
advogados com a docilidade das leis e os costumes frouxos do aparelho judiciário. Os advogados estão aí para
isso mesmo — empurrar com a barriga, sempre que o quadro se lhes afigure desfavorável. A lei, com sua pletora
de recursos em oferta, oferece-lhes uma barriga flácida, fácil de ser empurrada. No atual processo, ofereceu os
embargos declaratórios, e, agora, os infringentes. Possibilita também os embargos declaratórios dos embargos
declaratórios, e quem sabe, mais adiante, não possibilitará as infringências das infringências.
O Judiciário, com seus hábitos modorrentos, fecha o círculo. Na quarta-feira os ministros concordaram em
dobrar o prazo para a apresentação dos novos embargos, de quinze para trinta dias. Quando começa a contar o
prazo? Na publicação do acórdão com a decisão de aceitá-los. E quando se dará a publicação? Sabe-se lá. Na
quarta-feira, o ministro Joaquim Barbosa comentou com ironia a tendência do tribunal de atrasar o cumprimento de
seus deveres de casa. A própria sessão daquele dia foi reveladora dos hábitos da casa. Deveria começar às 14
horas. Começou às 14h40. Terminado o voto do ministro Celso de Mello, às 16h45, abriu-se o intervalo, em tese
de meia hora. Demorou 55 minutos. Os horários de abertura, fechamento e intervalo são determinados pelo
regimento do tribunal, o mesmo que prescreve os embargos infringentes. Mereceu respeito quanto aos embargos.
Não o mereceu, como aliás ocorre sempre, quanto aos horários. Não se trata de questão menor, quando a isso se
somam os dois meses de férias, o recesso forense de Natal e os muitos feriados.
Quanto à questão dos dois novos integrantes da corte, ambos votaram a favor da admissão dos recursos. Um
deles — o ―novato‖ Luís Roberto Barroso, como o chamou o veterano Marco Aurélio Mello — já criticou como
excessivas as penas impostas aos réus. Os dois foram escalados com o jogo em andamento. É o que fazem
os técnicos de futebol quando querem virar o placar. Fundada ou não, é a suspeita que recairá sobre a técnica
Dilma Rousseff, e a quem a tenha influenciado, caso seus votos sejam determinantes para uma revisão das
condenações. A perspectiva é daninha à imagem de um Supremo que, ao fim da primeira fase do julgamento, foi
visto como reserva moral da nação e milagroso agente da redenção, na tradição de impunidade dos poderosos que
avacalha o país.
(DE TOLEDO, Roberto Pompeu. Dupla perversidade, Revista Veja, São Paulo: Ed. Abril, ed. 2340, p.122, 25 set 2013)
O texto se constrói a partir de uma posição contrária:
Dupla perversidade
O voto do ministro Celso de Mello na quarta-feira, consagrando a admissibilidade de um segundo julgamento
para certos crimes de certos réus, constituiu-se num dos mais brilhantes, se não o mais brilhante, dos já
proferidos ao longo do processo do mensalão. O decano do Supremo Tribunal Federal matou a questão a pau em
dois planos — o dos direitos humanos e o legal. No dos direitos humanos, ou antes da filosofia dos direitos
humanos, defendeu com sabedoria o direito de os réus merecerem uma segunda apreciação de suas
condenações. No plano legal, com a erudição e a competência que o caracterizam, defendeu a questão central de
estabelecer se continuavam ou não em vigor os chamados embargos infringentes com um argumento decisivo ao
lembrar que em 1998 o governo FHC apresentou ao Congresso projeto prevendo explicitamente sua extinção — e
o Congresso o rejeitou. Se assim ocorreu, resulta cristalino que continuam em vigor. O problema é que…
O problema é que no julgamento de quarta-feira a figura douta, judiciosa e altaneira do ministro Celso de Mello,
tanto mais insuspeita quanto tem sido ele um dos mais duros na condenação dos réus, soou mais do que nunca
como fora do lugar. Celso de Mello — e isto vai sem ironia, antes a seu favor do que desfavor — é uma figura do
Brasil que queremos. No entanto, julgou para o Brasil que temos. E as consequências de seu voto, no Brasil que
temos, são duas, iguais em perversidade: (1) a eternização do processo; (2) uma decisão final eventualmente
favorável aos réus contaminada pela suspeita de alteração trapaceira do script com a entrada em cena de dois
novos integrantes da corte.
A conquista da eternidade na terra foi o sonho vão dos alquimistas. No céu, é artigo de fé, portanto não
comprovável, das religiões. A eternidade dos processos, no entanto, é no Brasil fenômeno nada sobrenatural,
fincado com histórica solidez no cenário nacional graças à coligação invencível das conveniências dos
advogados com a docilidade das leis e os costumes frouxos do aparelho judiciário. Os advogados estão aí para
isso mesmo — empurrar com a barriga, sempre que o quadro se lhes afigure desfavorável. A lei, com sua pletora
de recursos em oferta, oferece-lhes uma barriga flácida, fácil de ser empurrada. No atual processo, ofereceu os
embargos declaratórios, e, agora, os infringentes. Possibilita também os embargos declaratórios dos embargos
declaratórios, e quem sabe, mais adiante, não possibilitará as infringências das infringências.
O Judiciário, com seus hábitos modorrentos, fecha o círculo. Na quarta-feira os ministros concordaram em
dobrar o prazo para a apresentação dos novos embargos, de quinze para trinta dias. Quando começa a contar o
prazo? Na publicação do acórdão com a decisão de aceitá-los. E quando se dará a publicação? Sabe-se lá. Na
quarta-feira, o ministro Joaquim Barbosa comentou com ironia a tendência do tribunal de atrasar o cumprimento de
seus deveres de casa. A própria sessão daquele dia foi reveladora dos hábitos da casa. Deveria começar às 14
horas. Começou às 14h40. Terminado o voto do ministro Celso de Mello, às 16h45, abriu-se o intervalo, em tese
de meia hora. Demorou 55 minutos. Os horários de abertura, fechamento e intervalo são determinados pelo
regimento do tribunal, o mesmo que prescreve os embargos infringentes. Mereceu respeito quanto aos embargos.
Não o mereceu, como aliás ocorre sempre, quanto aos horários. Não se trata de questão menor, quando a isso se
somam os dois meses de férias, o recesso forense de Natal e os muitos feriados.
Quanto à questão dos dois novos integrantes da corte, ambos votaram a favor da admissão dos recursos. Um
deles — o ―novato‖ Luís Roberto Barroso, como o chamou o veterano Marco Aurélio Mello — já criticou como
excessivas as penas impostas aos réus. Os dois foram escalados com o jogo em andamento. É o que fazem
os técnicos de futebol quando querem virar o placar. Fundada ou não, é a suspeita que recairá sobre a técnica
Dilma Rousseff, e a quem a tenha influenciado, caso seus votos sejam determinantes para uma revisão das
condenações. A perspectiva é daninha à imagem de um Supremo que, ao fim da primeira fase do julgamento, foi
visto como reserva moral da nação e milagroso agente da redenção, na tradição de impunidade dos poderosos que
avacalha o país.
(DE TOLEDO, Roberto Pompeu. Dupla perversidade, Revista Veja, São Paulo: Ed. Abril, ed. 2340, p.122, 25 set 2013)
Para construir sua proposta argumentativa, o autor se vale de diversos recursos. Assinale a alternativa cujo recurso está incorretamente descrito:
Dupla perversidade
O voto do ministro Celso de Mello na quarta-feira, consagrando a admissibilidade de um segundo julgamento
para certos crimes de certos réus, constituiu-se num dos mais brilhantes, se não o mais brilhante, dos já
proferidos ao longo do processo do mensalão. O decano do Supremo Tribunal Federal matou a questão a pau em
dois planos — o dos direitos humanos e o legal. No dos direitos humanos, ou antes da filosofia dos direitos
humanos, defendeu com sabedoria o direito de os réus merecerem uma segunda apreciação de suas
condenações. No plano legal, com a erudição e a competência que o caracterizam, defendeu a questão central de
estabelecer se continuavam ou não em vigor os chamados embargos infringentes com um argumento decisivo ao
lembrar que em 1998 o governo FHC apresentou ao Congresso projeto prevendo explicitamente sua extinção — e
o Congresso o rejeitou. Se assim ocorreu, resulta cristalino que continuam em vigor. O problema é que…
O problema é que no julgamento de quarta-feira a figura douta, judiciosa e altaneira do ministro Celso de Mello,
tanto mais insuspeita quanto tem sido ele um dos mais duros na condenação dos réus, soou mais do que nunca
como fora do lugar. Celso de Mello — e isto vai sem ironia, antes a seu favor do que desfavor — é uma figura do
Brasil que queremos. No entanto, julgou para o Brasil que temos. E as consequências de seu voto, no Brasil que
temos, são duas, iguais em perversidade: (1) a eternização do processo; (2) uma decisão final eventualmente
favorável aos réus contaminada pela suspeita de alteração trapaceira do script com a entrada em cena de dois
novos integrantes da corte.
A conquista da eternidade na terra foi o sonho vão dos alquimistas. No céu, é artigo de fé, portanto não
comprovável, das religiões. A eternidade dos processos, no entanto, é no Brasil fenômeno nada sobrenatural,
fincado com histórica solidez no cenário nacional graças à coligação invencível das conveniências dos
advogados com a docilidade das leis e os costumes frouxos do aparelho judiciário. Os advogados estão aí para
isso mesmo — empurrar com a barriga, sempre que o quadro se lhes afigure desfavorável. A lei, com sua pletora
de recursos em oferta, oferece-lhes uma barriga flácida, fácil de ser empurrada. No atual processo, ofereceu os
embargos declaratórios, e, agora, os infringentes. Possibilita também os embargos declaratórios dos embargos
declaratórios, e quem sabe, mais adiante, não possibilitará as infringências das infringências.
O Judiciário, com seus hábitos modorrentos, fecha o círculo. Na quarta-feira os ministros concordaram em
dobrar o prazo para a apresentação dos novos embargos, de quinze para trinta dias. Quando começa a contar o
prazo? Na publicação do acórdão com a decisão de aceitá-los. E quando se dará a publicação? Sabe-se lá. Na
quarta-feira, o ministro Joaquim Barbosa comentou com ironia a tendência do tribunal de atrasar o cumprimento de
seus deveres de casa. A própria sessão daquele dia foi reveladora dos hábitos da casa. Deveria começar às 14
horas. Começou às 14h40. Terminado o voto do ministro Celso de Mello, às 16h45, abriu-se o intervalo, em tese
de meia hora. Demorou 55 minutos. Os horários de abertura, fechamento e intervalo são determinados pelo
regimento do tribunal, o mesmo que prescreve os embargos infringentes. Mereceu respeito quanto aos embargos.
Não o mereceu, como aliás ocorre sempre, quanto aos horários. Não se trata de questão menor, quando a isso se
somam os dois meses de férias, o recesso forense de Natal e os muitos feriados.
Quanto à questão dos dois novos integrantes da corte, ambos votaram a favor da admissão dos recursos. Um
deles — o ―novato‖ Luís Roberto Barroso, como o chamou o veterano Marco Aurélio Mello — já criticou como
excessivas as penas impostas aos réus. Os dois foram escalados com o jogo em andamento. É o que fazem
os técnicos de futebol quando querem virar o placar. Fundada ou não, é a suspeita que recairá sobre a técnica
Dilma Rousseff, e a quem a tenha influenciado, caso seus votos sejam determinantes para uma revisão das
condenações. A perspectiva é daninha à imagem de um Supremo que, ao fim da primeira fase do julgamento, foi
visto como reserva moral da nação e milagroso agente da redenção, na tradição de impunidade dos poderosos que
avacalha o país.
(DE TOLEDO, Roberto Pompeu. Dupla perversidade, Revista Veja, São Paulo: Ed. Abril, ed. 2340, p.122, 25 set 2013)
No último parágrafo do texto, o autor usa termos que pertencem ao universo do futebol.
Sobre esse uso, pode-se dizer que ele:
Dupla perversidade
O voto do ministro Celso de Mello na quarta-feira, consagrando a admissibilidade de um segundo julgamento
para certos crimes de certos réus, constituiu-se num dos mais brilhantes, se não o mais brilhante, dos já
proferidos ao longo do processo do mensalão. O decano do Supremo Tribunal Federal matou a questão a pau em
dois planos — o dos direitos humanos e o legal. No dos direitos humanos, ou antes da filosofia dos direitos
humanos, defendeu com sabedoria o direito de os réus merecerem uma segunda apreciação de suas
condenações. No plano legal, com a erudição e a competência que o caracterizam, defendeu a questão central de
estabelecer se continuavam ou não em vigor os chamados embargos infringentes com um argumento decisivo ao
lembrar que em 1998 o governo FHC apresentou ao Congresso projeto prevendo explicitamente sua extinção — e
o Congresso o rejeitou. Se assim ocorreu, resulta cristalino que continuam em vigor. O problema é que…
O problema é que no julgamento de quarta-feira a figura douta, judiciosa e altaneira do ministro Celso de Mello,
tanto mais insuspeita quanto tem sido ele um dos mais duros na condenação dos réus, soou mais do que nunca
como fora do lugar. Celso de Mello — e isto vai sem ironia, antes a seu favor do que desfavor — é uma figura do
Brasil que queremos. No entanto, julgou para o Brasil que temos. E as consequências de seu voto, no Brasil que
temos, são duas, iguais em perversidade: (1) a eternização do processo; (2) uma decisão final eventualmente
favorável aos réus contaminada pela suspeita de alteração trapaceira do script com a entrada em cena de dois
novos integrantes da corte.
A conquista da eternidade na terra foi o sonho vão dos alquimistas. No céu, é artigo de fé, portanto não
comprovável, das religiões. A eternidade dos processos, no entanto, é no Brasil fenômeno nada sobrenatural,
fincado com histórica solidez no cenário nacional graças à coligação invencível das conveniências dos
advogados com a docilidade das leis e os costumes frouxos do aparelho judiciário. Os advogados estão aí para
isso mesmo — empurrar com a barriga, sempre que o quadro se lhes afigure desfavorável. A lei, com sua pletora
de recursos em oferta, oferece-lhes uma barriga flácida, fácil de ser empurrada. No atual processo, ofereceu os
embargos declaratórios, e, agora, os infringentes. Possibilita também os embargos declaratórios dos embargos
declaratórios, e quem sabe, mais adiante, não possibilitará as infringências das infringências.
O Judiciário, com seus hábitos modorrentos, fecha o círculo. Na quarta-feira os ministros concordaram em
dobrar o prazo para a apresentação dos novos embargos, de quinze para trinta dias. Quando começa a contar o
prazo? Na publicação do acórdão com a decisão de aceitá-los. E quando se dará a publicação? Sabe-se lá. Na
quarta-feira, o ministro Joaquim Barbosa comentou com ironia a tendência do tribunal de atrasar o cumprimento de
seus deveres de casa. A própria sessão daquele dia foi reveladora dos hábitos da casa. Deveria começar às 14
horas. Começou às 14h40. Terminado o voto do ministro Celso de Mello, às 16h45, abriu-se o intervalo, em tese
de meia hora. Demorou 55 minutos. Os horários de abertura, fechamento e intervalo são determinados pelo
regimento do tribunal, o mesmo que prescreve os embargos infringentes. Mereceu respeito quanto aos embargos.
Não o mereceu, como aliás ocorre sempre, quanto aos horários. Não se trata de questão menor, quando a isso se
somam os dois meses de férias, o recesso forense de Natal e os muitos feriados.
Quanto à questão dos dois novos integrantes da corte, ambos votaram a favor da admissão dos recursos. Um
deles — o ―novato‖ Luís Roberto Barroso, como o chamou o veterano Marco Aurélio Mello — já criticou como
excessivas as penas impostas aos réus. Os dois foram escalados com o jogo em andamento. É o que fazem
os técnicos de futebol quando querem virar o placar. Fundada ou não, é a suspeita que recairá sobre a técnica
Dilma Rousseff, e a quem a tenha influenciado, caso seus votos sejam determinantes para uma revisão das
condenações. A perspectiva é daninha à imagem de um Supremo que, ao fim da primeira fase do julgamento, foi
visto como reserva moral da nação e milagroso agente da redenção, na tradição de impunidade dos poderosos que
avacalha o país.
(DE TOLEDO, Roberto Pompeu. Dupla perversidade, Revista Veja, São Paulo: Ed. Abril, ed. 2340, p.122, 25 set 2013)
Analise as seguintes asserções quanto à sua veracidade em relação ao texto e assinale a única alternativa correta:
Dupla perversidade
O voto do ministro Celso de Mello na quarta-feira, consagrando a admissibilidade de um segundo julgamento
para certos crimes de certos réus, constituiu-se num dos mais brilhantes, se não o mais brilhante, dos já
proferidos ao longo do processo do mensalão. O decano do Supremo Tribunal Federal matou a questão a pau em
dois planos — o dos direitos humanos e o legal. No dos direitos humanos, ou antes da filosofia dos direitos
humanos, defendeu com sabedoria o direito de os réus merecerem uma segunda apreciação de suas
condenações. No plano legal, com a erudição e a competência que o caracterizam, defendeu a questão central de
estabelecer se continuavam ou não em vigor os chamados embargos infringentes com um argumento decisivo ao
lembrar que em 1998 o governo FHC apresentou ao Congresso projeto prevendo explicitamente sua extinção — e
o Congresso o rejeitou. Se assim ocorreu, resulta cristalino que continuam em vigor. O problema é que…
O problema é que no julgamento de quarta-feira a figura douta, judiciosa e altaneira do ministro Celso de Mello,
tanto mais insuspeita quanto tem sido ele um dos mais duros na condenação dos réus, soou mais do que nunca
como fora do lugar. Celso de Mello — e isto vai sem ironia, antes a seu favor do que desfavor — é uma figura do
Brasil que queremos. No entanto, julgou para o Brasil que temos. E as consequências de seu voto, no Brasil que
temos, são duas, iguais em perversidade: (1) a eternização do processo; (2) uma decisão final eventualmente
favorável aos réus contaminada pela suspeita de alteração trapaceira do script com a entrada em cena de dois
novos integrantes da corte.
A conquista da eternidade na terra foi o sonho vão dos alquimistas. No céu, é artigo de fé, portanto não
comprovável, das religiões. A eternidade dos processos, no entanto, é no Brasil fenômeno nada sobrenatural,
fincado com histórica solidez no cenário nacional graças à coligação invencível das conveniências dos
advogados com a docilidade das leis e os costumes frouxos do aparelho judiciário. Os advogados estão aí para
isso mesmo — empurrar com a barriga, sempre que o quadro se lhes afigure desfavorável. A lei, com sua pletora
de recursos em oferta, oferece-lhes uma barriga flácida, fácil de ser empurrada. No atual processo, ofereceu os
embargos declaratórios, e, agora, os infringentes. Possibilita também os embargos declaratórios dos embargos
declaratórios, e quem sabe, mais adiante, não possibilitará as infringências das infringências.
O Judiciário, com seus hábitos modorrentos, fecha o círculo. Na quarta-feira os ministros concordaram em
dobrar o prazo para a apresentação dos novos embargos, de quinze para trinta dias. Quando começa a contar o
prazo? Na publicação do acórdão com a decisão de aceitá-los. E quando se dará a publicação? Sabe-se lá. Na
quarta-feira, o ministro Joaquim Barbosa comentou com ironia a tendência do tribunal de atrasar o cumprimento de
seus deveres de casa. A própria sessão daquele dia foi reveladora dos hábitos da casa. Deveria começar às 14
horas. Começou às 14h40. Terminado o voto do ministro Celso de Mello, às 16h45, abriu-se o intervalo, em tese
de meia hora. Demorou 55 minutos. Os horários de abertura, fechamento e intervalo são determinados pelo
regimento do tribunal, o mesmo que prescreve os embargos infringentes. Mereceu respeito quanto aos embargos.
Não o mereceu, como aliás ocorre sempre, quanto aos horários. Não se trata de questão menor, quando a isso se
somam os dois meses de férias, o recesso forense de Natal e os muitos feriados.
Quanto à questão dos dois novos integrantes da corte, ambos votaram a favor da admissão dos recursos. Um
deles — o ―novato‖ Luís Roberto Barroso, como o chamou o veterano Marco Aurélio Mello — já criticou como
excessivas as penas impostas aos réus. Os dois foram escalados com o jogo em andamento. É o que fazem
os técnicos de futebol quando querem virar o placar. Fundada ou não, é a suspeita que recairá sobre a técnica
Dilma Rousseff, e a quem a tenha influenciado, caso seus votos sejam determinantes para uma revisão das
condenações. A perspectiva é daninha à imagem de um Supremo que, ao fim da primeira fase do julgamento, foi
visto como reserva moral da nação e milagroso agente da redenção, na tradição de impunidade dos poderosos que
avacalha o país.
(DE TOLEDO, Roberto Pompeu. Dupla perversidade, Revista Veja, São Paulo: Ed. Abril, ed. 2340, p.122, 25 set 2013)
Avalie as afirmações a seguir:
A expressão \'\'o decano do Supremo Tribunal Federal‖ (linha 3) retoma a expressão \'\'ministro Celso de Mello‖ (linha 1) e, além de funcionar como elemento de coesão, exerce um importante papel argumentativo no texto
PORQUE
destaca a função relevante que ocupa o ministro e colabora na construção da crítica ao voto deste.
A respeito das duas afirmações acima, assinale a opção correta:
Dupla perversidade
O voto do ministro Celso de Mello na quarta-feira, consagrando a admissibilidade de um segundo julgamento
para certos crimes de certos réus, constituiu-se num dos mais brilhantes, se não o mais brilhante, dos já
proferidos ao longo do processo do mensalão. O decano do Supremo Tribunal Federal matou a questão a pau em
dois planos — o dos direitos humanos e o legal. No dos direitos humanos, ou antes da filosofia dos direitos
humanos, defendeu com sabedoria o direito de os réus merecerem uma segunda apreciação de suas
condenações. No plano legal, com a erudição e a competência que o caracterizam, defendeu a questão central de
estabelecer se continuavam ou não em vigor os chamados embargos infringentes com um argumento decisivo ao
lembrar que em 1998 o governo FHC apresentou ao Congresso projeto prevendo explicitamente sua extinção — e
o Congresso o rejeitou. Se assim ocorreu, resulta cristalino que continuam em vigor. O problema é que…
O problema é que no julgamento de quarta-feira a figura douta, judiciosa e altaneira do ministro Celso de Mello,
tanto mais insuspeita quanto tem sido ele um dos mais duros na condenação dos réus, soou mais do que nunca
como fora do lugar. Celso de Mello — e isto vai sem ironia, antes a seu favor do que desfavor — é uma figura do
Brasil que queremos. No entanto, julgou para o Brasil que temos. E as consequências de seu voto, no Brasil que
temos, são duas, iguais em perversidade: (1) a eternização do processo; (2) uma decisão final eventualmente
favorável aos réus contaminada pela suspeita de alteração trapaceira do script com a entrada em cena de dois
novos integrantes da corte.
A conquista da eternidade na terra foi o sonho vão dos alquimistas. No céu, é artigo de fé, portanto não
comprovável, das religiões. A eternidade dos processos, no entanto, é no Brasil fenômeno nada sobrenatural,
fincado com histórica solidez no cenário nacional graças à coligação invencível das conveniências dos
advogados com a docilidade das leis e os costumes frouxos do aparelho judiciário. Os advogados estão aí para
isso mesmo — empurrar com a barriga, sempre que o quadro se lhes afigure desfavorável. A lei, com sua pletora
de recursos em oferta, oferece-lhes uma barriga flácida, fácil de ser empurrada. No atual processo, ofereceu os
embargos declaratórios, e, agora, os infringentes. Possibilita também os embargos declaratórios dos embargos
declaratórios, e quem sabe, mais adiante, não possibilitará as infringências das infringências.
O Judiciário, com seus hábitos modorrentos, fecha o círculo. Na quarta-feira os ministros concordaram em
dobrar o prazo para a apresentação dos novos embargos, de quinze para trinta dias. Quando começa a contar o
prazo? Na publicação do acórdão com a decisão de aceitá-los. E quando se dará a publicação? Sabe-se lá. Na
quarta-feira, o ministro Joaquim Barbosa comentou com ironia a tendência do tribunal de atrasar o cumprimento de
seus deveres de casa. A própria sessão daquele dia foi reveladora dos hábitos da casa. Deveria começar às 14
horas. Começou às 14h40. Terminado o voto do ministro Celso de Mello, às 16h45, abriu-se o intervalo, em tese
de meia hora. Demorou 55 minutos. Os horários de abertura, fechamento e intervalo são determinados pelo
regimento do tribunal, o mesmo que prescreve os embargos infringentes. Mereceu respeito quanto aos embargos.
Não o mereceu, como aliás ocorre sempre, quanto aos horários. Não se trata de questão menor, quando a isso se
somam os dois meses de férias, o recesso forense de Natal e os muitos feriados.
Quanto à questão dos dois novos integrantes da corte, ambos votaram a favor da admissão dos recursos. Um
deles — o ―novato‖ Luís Roberto Barroso, como o chamou o veterano Marco Aurélio Mello — já criticou como
excessivas as penas impostas aos réus. Os dois foram escalados com o jogo em andamento. É o que fazem
os técnicos de futebol quando querem virar o placar. Fundada ou não, é a suspeita que recairá sobre a técnica
Dilma Rousseff, e a quem a tenha influenciado, caso seus votos sejam determinantes para uma revisão das
condenações. A perspectiva é daninha à imagem de um Supremo que, ao fim da primeira fase do julgamento, foi
visto como reserva moral da nação e milagroso agente da redenção, na tradição de impunidade dos poderosos que
avacalha o país.
(DE TOLEDO, Roberto Pompeu. Dupla perversidade, Revista Veja, São Paulo: Ed. Abril, ed. 2340, p.122, 25 set 2013)
Assinale a alternativa que apresenta a correta relação entre o elemento destacado e a ideia por ele veiculada no texto: