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A explosão da solidão
1. Em 1973, o americano Robert King foi preso pela terceira vez. A polícia o levou para a cadeia de Nova Orleans, onde conheceu membros dos Panteras Negras: um grupo que misturava ativismo com violência. King se juntou a eles para exigir melhores condições carcerárias. Não conseguiu e foi transferido para a Penitenciária Estadual da Louisiana. Ao chegar, foi colocado na solitária – na qual passaria os 29 anos seguintes. Foram três décadas absurdamente sozinho. King só podia sair da cela de 2x2,5m uma hora por dia (quando ficava isolado numa gaiola sem poder se aproximar dos outros presos).
2. Em 2001, aos 59 anos, ele foi solto. Ao tentar se adaptar à vida em sociedade, descobriu que não conseguia reconhecer rostos, seguir rotas para ir a um lugar, e se tornou objeto de interesse da ciência: no ano passado, King foi convidado a contar sua história no congresso da Sociedade Americana de Neurociência. O caso dele é notável, pois nunca um ser humano haviase submetido a um período de isolamento tão longo e sobrevivido com lucidez para contar como foi. A solitária, geralmente, enlouquece suas vítimas e há razões concretas para isso.
3. O isolamento prolongado tem efeitos neurológicos. Pode fazer muito mal. E não só para quem está trancafiado numa cela. Você já deve ter-se sentido solitário e sabe o quão desagradável isso é. A solidão pode ser objetiva, ou seja, derivada de um isolamento real, ou subjetiva, numa sensação criada pela mente (esse tipo de solidão se manifesta, por exemplo, quando nos sentimos sós, mesmo estando cercados de outras pessoas). Em ambos os casos, ela é um alerta do organismo para que busquemos a companhia de mais pessoas, e aumentemos, assim, nossa chance de sobrevivência. Isso era tão verdadeiro na Pré-História, quanto é no mundo de hoje. A novidade é que, por motivos ainda não elucidados, a solidão parece estar aumentando, a ponto de se tornar uma epidemia. Nos EUA, 76% das pessoas apresentam níveis moderados ou altos de solidão, segundo estudos da Universidade da Califórnia.
4. Na década de 1980, cada americano tinha em média 2,94 “amigos do peito”. Em 2011, a média nacional caiu para 2,03 amigos próximos. Na Inglaterra, 66% da população apresenta sintomas de solidão crônica.
5. Não há números a respeito no Brasil, mas os indicadores mais relevantes apontam na mesma direção. Entre 2004 e 2014, o número anual de divórcio aumentou 250%. Entre 1991 e 2019, a quantidade de pessoas que moram sozinhas subiu 340%.
6. Em suma, a solidão é onipresente e está crescendo. O problema é que ela pode matar. Solitários têm 29% mais chances de sofrer de doenças cardíacas; 32% mais risco de ter um AVC. E são 200% mais propensos a desenvolver Alzheimer. Em mulheres solitárias, a reincidência de câncer de mama é 40% maior, e a propensão à letalidade chega a 60%. Quem já experimentou um grau elevado de solidão tem três vezes mais chances de cair em depressão. A solidão é mais letal que a obesidade e o alcoolismo e consegue ser tão nociva quanto o tabagismo.
7. De toda forma, segue aqui uma dica: pare e pense nos sentimentos que você tem em comum com as outras pessoas. A começar por este: elas, assim como você, estão se sentindo meio isoladas. Todo mundo anda meio solitário – e, exatamente por isso, você não está sozinho.
(Revista Super Interessante, n. 407. Set. 2019. Adaptado).
O Texto aborda um tema menos divulgado, mas assenta sua argumentação em dados reais e estudos científicos. Concretamente, o Texto pretende: