A distância entre mim e o caos
Martha Medeiros* – 02/09/2017
Desliguei o computador, abandonei revistas e jornais na área de serviço (mausoléu das más notícias),
escolhi um livro e fui para a sacada tentar dar ao sábado uma cara de sábado mesmo, e não de segunda-feira.
Essa mania de trabalhar nos fins de semana pode ser muito produtiva, mas é preciso saber parar e experimen-
tar a vida sem a ajuda de aparelhos.
[5] Antes de abrir o livro, olhei para fora. Moro num andar alto e a vista que tenho é bem abrangente.
Enxergo minha rua, esquinas, os prédios vizinhos, algumas casas e um parque, e também uma avenida ao
longe, um posto de gasolina e a copa das árvores de outro parque. Até dois morros eu enxergo. Nos edifícios
mais próximos, posso inclusive bisbilhotar o que acontece no interior dos apartamentos, meu momento “janela
indiscreta” sem precisar de luneta.
[10] Sendo assim, como se estivesse diante de uma tela panorâmica, passei a observar um casal lá
embaixo passeando com o cachorro, um homem empunhando uma raquete de tênis e caminhando rumo ao
clube, um carro que passou em baixa velocidade sem colidir com outro e sem atropelar ninguém, uma idosa
em pantufas e robe de chambre pendurando roupas no varal do seu pátio, uma garota adolescente cami-
nhando com fones de ouvido e cruzando com um garoto que não a assaltou, um homem sentado numa cadeira
[15] de praia na calçada, tomando seu primeiro banho de sol do segundo semestre, a persiana de uma janela
sendo aberta no prédio ao lado sem que nenhum deprimido saltasse lá de dentro, o porteiro batendo papo com
o entregador de pizza sem que nenhuma gangue o rendesse a fim de fazer um arrastão nos apartamentos.
Estava tudo dentro de uma fascinante normalidade.
Assim tem sido aqui nas redondezas. Eu caminho todos os dias pelos quarteirões, vou a pé para o
[20] estúdio de pilates, percebo orquídeas nascendo em árvores, moças passeando com carrinhos de bebê, gente
saindo com seu automóvel de dentro das garagens. É bem verdade que já escutei tiroteio de madrugada, já
escutei sirene de viatura, já escutei histórias de roubos, que é quando minha vizinhança se aproxima das notí-
cias da tevê e das queixas que transbordam no Facebook, mas ver, nunca vi.
Finalmente, abro o livro, que narra conflitos psicológicos sem nenhum derramamento de sangue,
[25] e me dou conta do silêncio da minha casa e da minha circunstância. Nem uma freada brusca, nem uma
ambulância ruidosa e apressada, nem mesmo o miado do meu gato interrompe minha concentração e minha
fé – está tudo em suspeita calmaria. A violência da vida se mantém muito bem escondida quando estou des-
conectada. Quase acredito na paz.
*Martha Medeiros é cronista. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/martha-medeiros/noticia/2017/09/a- -distancia-entre-mim-e-o-caos-9885101.html. Acesso em 25 set. 2017.
Numere a segunda coluna abaixo, observando a classe gramatical da palavra em destaque, e assinale a alternativa correta.
1. pronome
2. advérbio
3. artigo indefinido
4. preposição
5. numeral
( ) “Essa mania de trabalhar nos fins de semana pode ser muito produtiva” (linha 3).
( ) “Enxergo minha rua, esquinas, os prédios vizinhos, algumas casas e um parque, e também uma avenida ao longe” (linhas 6-7).
( ) “Até dois morros eu enxergo” (linha 7).
( ) “[...] a persiana de uma janela sendo aberta no prédio ao lado sem que nenhum deprimido saltasse lá de dentro” (linhas 15-16).
( ) “A violência da vida se mantém muito bem escondida quando estou desconectada” (linha 27).
A ordem correta da numeração da segunda coluna, de cima para baixo, é: