Morrer para viver?
[1] Mortalidade: a bênção e a maldição da humanidade. Por 1 sermos capazes de entender a
[2] passagem do tempo, de entender que um dia não estaremos mais aqui, e que os que amamos
[3] também não estarão, buscamos, desde os primórdios, alguma resposta para esse grande
[4] mistério. Por que morremos?
[5] O oposto da morte, a imortalidade, a possibilidade de vivermos para sempre, é também
[6] inaceitável para muitos. Se somos imortais, qual o sentido da existência? Tudo o que fazemos
[7] está tão vinculado à certeza da morte que perdê-la acarretaria uma profunda mudança da nossa
[8] psique.
[9] A imortalidade seria profundamente entediante, visto que a passagem do tempo deixaria
[10] de ter importância. Um ser imortal seria uma _______ ao que ocorre no mundo, imutável
[11] enquanto cercado de transformações, existindo fora do tempo ao contrário de todo o resto.
[12] Do ponto de vista científico, já estendemos nossas vidas. Na Idade Média, a expectativa de
[13] vida na Europa não passava dos 30. Mesmo no início do século 20, era de apenas 31 anos. Em
[14] 2010, a média global subiu para 67,2 anos e continua crescendo.
[15] Os números baixos até 100 anos atrás são expressão da alta taxa de mortalidade na
[16] infância. Quando o indivíduo passa dos 10 anos, sua expectativa de vida aumenta. Em 1730, na
[17] Inglaterra, 74% das crianças morriam antes dos cinco anos. Esse é um dos melhores argumentos
[18] em favor da ciência.
[19] Se pudéssemos estender a vida indefinidamente (salvo morte acidental), será que
[20] deveríamos fazê-lo? No livro "Morte e o Após Morte", o filósofo americano Samuel Scheffler diz
[21] que um ser imortal perderia a noção do trágico e do sublime e que, com isso, perderia o sentido
[22] da vida.
[23] Já Thomas Nagel, colega de Scheffler na Universidade de Nova York, discorda: "Por que
[24] não considerar que uma vida sem fim não seria uma busca sem fim, descobertas em ______,
[25] incluindo sucessos e fracassos? Humanos são altamente adaptáveis e desenvolveram muitas
[26] formas de se adaptar a mudanças materiais no decorrer da história. Não estou convencido de que
[27] o papel da mortalidade em definir nossas vidas implica que a imortalidade não seria algo
[28] aceitável".
[29] Será que a imortalidade é viável cientificamente? Não sabemos, embora hoje existam
[30] pesquisas sérias que veem o envelhecimento como uma doença que, em princípio, é tratável. Não
[31] falo da clonagem de humanos, assunto envolto em discussões éticas complexas, mas de como
[32] células envelhecem, doenças como o câncer aparecem, e como o processo pode ser impedido.
[33] Seria necessária uma interferência direta no genoma ou, numa abordagem menos radical, a
[34] clonagem de órgãos específicos a partir de células-tronco do próprio paciente. Também é possível
[35] que biocircuitos construídos com DNA e proteínas especiais possam ser injetados no paciente
[36] para reparar (ou matar) células com mutações capazes de causar o câncer ou o envelhecimento.
[37] Parece que esse será o caminho do futuro. Questões existenciais sobre o valor da
[38] imortalidade serão experimentadas e não apenas objetos de especulação. Uma raça de semi
[39] imortais teria motivação de sobra para preservar o planeta. Afinal, sem a Terra, os semi-imortais
[40] não teriam qualquer chance.
GLEISER, Marcelo. Folha de São Paulo, 17 ago. 2014 (Texto adaptado).
As palavras que preenchem corretamente as lacunas presentes nas linhas 10 e 24 são, respectivamente,