Atualmente, discute-se se existe ou não algo como uma cultura do estupro. Por cultura do estupro quer-se expor isto: o nosso modo de viver, que inclui formas de pensar e de agir, no qual o estupro foi naturalizado. Isso quer dizer que o estupro seria algo tão banal, tão corriqueiro, tão comum, que não nos preocuparíamos com ele.
No contexto da cultura do estupro, está em vigência uma mentalidade que não vê como muito problemático que um homem estupre uma mulher. O estupro não é considerado anormal. Muitas vezes o próprio estuprador sequer consegue perceber que o seu ato é um estupro. Outras vezes não vê seu ato como um crime, mas como um estranho direito sobre uma mulher ou outra pessoa estuprável. Um estupro é incomparável e pode ser aniquilador de uma subjetividade, de um corpo, de uma vida. O horror do estupro expressa muitos outros horrores. Os horrores da própria cultura que é capaz de produzir subjetividades capazes desse crime.
A maior parte das pessoas se sente confusa diante de estupros. Talvez por confusão, mais do que por maldade, acabem por especular sobre a vítima, que é desrespeitada na sua condição de vítima. Aquele hábito super comum de colocar a culpa na roupa, no comportamento, no modo de ser da vítima, aprofunda ainda mais a cultura do estupro. É como se a pessoa continuasse sendo estuprada, violentada pelos ataques verbais, depois de ter sido estuprada fisicamente. Como se, depois do estupro físico, a pessoa estuprada continuasse sendo estuprada simbolicamente.
De todos os estupros que ocorrem diariamente, segundo os dados do Sinan, calcula-se, de maneira otimista, que apenas 10% desses crimes são noticiados e chegam ao conhecimento da polícia. O estupro é um crime que se dá às escuras, envolto em vergonha e muito preconceito. Segundo os dados do Sinan, 24,1% dos estupradores de crianças são os próprios pais ou padrastos, e em 32,2% dos casos são amigos ou conhecidos da vítima.
Desses estupros noticiados, muitos não chegaram à condenação, pela inoperância da investigação policial e, sobretudo, pelo machismo, que condiciona, em grande parte, a atuação da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Ou seja, se os dados do Sinan estiverem certos, mudanças na legislação penal não alcançariam mais do que 10% dos casos de estupro.
Adaptado de Estupro em potencial – para pensar a cultura do estupro. Márcia Tiburi, Revista Cult. Disponível em http://revistacult.uol.com.br/home/2016/06/estupro-em-potencial-para-pensar-a-cultura-do-estupro/. Acesso em jun. 2016
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