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Sons que confortam
Martha Medeiros
Eram quatro da manhã quando seu pai sofreu
um colapso cardíaco. Só estavam os três na
casa: o pai, a mãe e ele, um garoto de 13
anos. Chamaram o médico da família. E
[5] aguardaram. E aguardaram. E aguardaram.
Até que o garoto escutou um barulho lá fora. É
ele que conta, hoje, adulto: Nunca na vida
ouvira um som mais lindo, mais calmante, do
que os pneus daquele carro amassando as
[10] folhas de outono empilhadas junto ao meio-
fio.
Inesquecível, para o menino, foi ouvir o som
do carro do médico se aproximando, o homem
que salvaria seu pai. Na mesma hora em que li
[15] esse relato, imaginei um sem-número de sons
que nos confortam. A começar pelo choro na
sala de parto. Seu filho nasceu. E o mais
aliviante para pais que possuem adolescentes
baladeiros: o barulho da chave abrindo a
[20] fechadura da porta. Seu filho voltou.
E pode parecer mórbido para uns,
masoquismo para outros, mas há quem mate
a saudade assim: ouvindo pela enésima vez o
recado na secretária eletrônica de alguém que
[25] já morreu.
Deixando a categoria dos sons magnânimos
para a dos sons cotidianos: a voz no alto-
falante do aeroporto dizendo que a aeronave
já se encontra em solo e o embarque será
[30] feito dentro de poucos minutos.
O sinal, dentro do teatro, avisando que as
luzes serão apagadas e o espetáculo irá
começar.
O telefone tocando exatamente no horário que
[35] se espera, conforme o combinado. Até a
musiquinha que antecede a chamada a cobrar
pode ser bem-vinda, se for grande a
ansiedade para se falar com alguém distante.
O barulho da chuva forte no meio da
[40] madrugada, quando você está no quentinho da
sua cama.
Uma conversa em outro idioma na mesa ao
lado da sua, provocando a falsa sensação de
que você está viajando, de férias em algum
[45] lugar estrangeiro. E estando em algum lugar
estrangeiro, ouvir o seu idioma natal sendo
falado por alguém que passou, fazendo você
lembrar que o mundo não é tão vasto assim.
O toque do interfone quando se aguarda
[50] ansiosamente a chegada do namorado. Ou
mesmo a chegada da pizza.
O aviso sonoro de que entrou um torpedo no
seu celular.
A sirene da fábrica anunciando o fim de mais
[55] um dia de trabalho.
O sinal da hora do recreio.
A música que você mais gosta tocando no
rádio do carro. Aumente o volume.
O aplauso depois que você, nervoso, falou em
[60] público para dezenas de desconhecidos.
O primeiro eu te amo dito por quem você
também começou a amar.
E o mais raro de todos: o silêncio absoluto.
MEDEIROS, Martha. Feliz por nada. São Paulo: L&PM Editores, 2011.
A autora da crônica cria duas categorias para classificar os sons com que nos deparamos no dia a dia: sons magnânimos e sons cotidianos. Leia os trechos da crônica apresentados a seguir e escreva SM se o trecho pertencer à categoria do som magnânimo ou SC se fizer parte da categoria do som cotidiano.
( ) “O sinal da hora do recreio.” (linha 56)
( ) “O primeiro eu te amo dito por quem você também começou a amar.” (linhas 61-62)
( ) “[...] o barulho da chave abrindo a fechadura da porta. Seu filho voltou.” (linhas 19-20)
( ) “[...] o recado na secretária eletrônica de alguém que já morreu.” (linhas 23-25)
( ) “O toque do interfone quando se aguarda ansiosamente a chegada do namorado.” (linhas 49-50)
A sequência correta, de cima para baixo, é: