O corpo humano é uma redescoberta recente.
Em culturas que precedem o século XX, o corpo
era camuflado pela roupa, o moralismo e a religião.
Exceções feitas às culturas indígenas, que ainda
5 hoje imprimem respeitosa visibilidade ao corpo.
E também à cultura greco-romana, isenta de
moralismo antes do advento do cristianismo.
Agora, apropriado pelo capitalismo, o corpo é
mercadoria submetida à ditatorial cartografia. Sofre
10 quem não tem o corpo adequado a esta cartografia
exposta em capas de revistas, na publicidade (“Vai
verão...”), em filmes, fotos e novelas.
O corpo, apropriado pelo sistema, já não
nos pertence. O mercado determina qual o corpo
15 socialmente apreciado e qual o excluído do mercado
e, portanto, condenado ao banimento e à tortura
psicológica.
Já não somos o nosso corpo. Somos a
encarnação do corpo sacramentado pelo sistema,
20 impelidos a jejuar, malhar bastante, submeter-nos
à cirurgia plástica. Nada de nos apresentar sem o
corpo-senha que abre as portas do mundo encantado
da jovial esbelteza, no qual nossa cartografia física
deve suscitar admiração e inveja.
25 Convém manter a boca fechada, não apenas
para evitar engordar. Também para que não
descubram que somos desnutridos de ideais,
valores e espiritualidade. Estamos condenados a
ser apenas um pedaço de carne ambulante.
FREI BETO. Cartografia do corpo. Disponível: . Acesso em: 14 abr. 2016.]
Ao discorrer sobre o corpo redescoberto, Frei Beto utiliza, dentre outros recursos estilísticos, a ironia, uma figura de linguagem que sugere uma ideia diferente, muitas vezes contrária à que é marca característica na mensagem literal do texto, a fim de promover uma crítica.
A alternativa cujo fragmento transcrito evidencia o uso desse recurso é a