Levando-se em consideração a intertextualidade que se identifica no cartum, é correto afirmar:
O corpo humano é uma redescoberta recente.
Em culturas que precedem o século XX, o corpo
era camuflado pela roupa, o moralismo e a religião.
Exceções feitas às culturas indígenas, que ainda
[5] hoje imprimem respeitosa visibilidade ao corpo.
E também à cultura greco-romana, isenta de
moralismo antes do advento do cristianismo.
Agora, apropriado pelo capitalismo, o corpo é
mercadoria submetida à ditatorial cartografia. Sofre
[10] quem não tem o corpo adequado a esta cartografia
exposta em capas de revistas, na publicidade (“Vai
verão...”), em filmes, fotos e novelas.
O corpo, apropriado pelo sistema, já não
nos pertence. O mercado determina qual o corpo
[15] socialmente apreciado e qual o excluído do mercado
e, portanto, condenado ao banimento e à tortura
psicológica.
Já não somos o nosso corpo. Somos a
encarnação do corpo sacramentado pelo sistema,
[20] impelidos a jejuar, malhar bastante, submeter-nos
à cirurgia plástica. Nada de nos apresentar sem o
corpo-senha que abre as portas do mundo encantado
da jovial esbelteza, no qual nossa cartografia física
deve suscitar admiração e inveja.
[25] Convém manter a boca fechada, não apenas
para evitar engordar. Também para que não
descubram que somos desnutridos de ideais,
valores e espiritualidade. Estamos condenados a
ser apenas um pedaço de carne ambulante.
FREI BETO. Cartografia do corpo. Disponível: <http://jornalfraternizar.tk/textos_de_frei_betto. htm >. Acesso em: 14 abr. 2016.]
Ao discorrer sobre o corpo redescoberto, Frei Beto utiliza, dentre outros recursos estilísticos, a ironia, uma figura de linguagem que sugere uma ideia diferente, muitas vezes contrária à que é marca característica na mensagem literal do texto, a fim de promover uma crítica.
A alternativa cujo fragmento transcrito evidencia o uso desse recurso é a
Considerando-se as funções da comunicação, a linguagem utilizada e o contexto, é correto afirmar sobre esse anúncio institucional que
A análise de aspectos linguísticos que estruturam o texto está correta em
Leio o título no jornal: “Zika agrava abandono
de mulheres no Nordeste”. Esse “agrava”, no
início da frase, é tão dramático quanto o “Zika”
que o antecede, pois nos diz de duas epidemias
[5] sobrepostas. A mais antiga, o abandono sistemático
de mulheres e filhos, já é aceita naturalmente,
como se fizesse parte da normalidade. Resta pedir
aos céus que não nos acostumemos com a outra.
Houve um tempo em que mocinha que
[10] aparecesse grávida era expulsa de casa. Hoje, se
a adolescente aparecer grávida, a família acaba de
criá-la e a seu filho. As duas atitudes desconsideram
o homem que engravidou a mocinha. Ela que se
cuidasse. Foi dar uma de gostosa, ele sucumbiu.
[15] O filho é dela, só dela, e a ela cabe criá-lo. Como se
fosse apenas um acidente de percurso, o pai some a
caminho do futuro, sem problemas de consciência.
Tudo isso já faz parte de infinitas rotinas
domésticas brasileiras. O país aceita como normal
[20] esse modelo em que as crianças são as mais
prejudicadas, sem pai, sem família organizada, sem
as oportunidades que presença e contribuições de
um pai poderiam lhes dar.
Mas o Zika impõe uma pergunta: acharemos
[25] normal que pais abandonem seus filhos
malformados, ou buscaremos atitudes mais
civilizadas?
COLASANTI, Marina. Duas epidemias sobrepostas. Disponível em: . Acesso em: 3 abr. 2016. Adaptado.
Tendo em vista a polifonia que se desenvolve ao longo dos argumentos construídos pela voz autoral, é correto afirmar:
Tudo corria sem mais, a oficina mal dava
para o pão e para a escola do miúdo. Mas eis que
começaram a aparecer, pelos recantos da casa,
papéis rabiscados com versos. O filho confessou,
[5] sem pestanejo, a autoria do feito.
— São meus versos, sim.
O pai logo sentenciara: havia que tirar o miúdo
da escola. Aquilo era coisa de estudos a mais,
perigosos contágios, más companhias.
[10] Dona Serafina defendeu o filho e os estudos.
O pai, conformado, exigiu: então, ele que fosse
examinado.
Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem
deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita
[15] para poupança de tempo. Com enfado, o clínico se
dirigiu ao menino:
— Dói-te alguma coisa?
— Dói-me a vida, doutor.
O doutor suspendeu a escrita. A resposta,
[20] sem dúvida, o surpreendera. Já Dona Serafina
aproveitava o momento: Está a ver, doutor? Está a
ver? O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar
o miúdo:
— E o que fazes quando te assaltam essas dores?
[25] — O que melhor sei fazer, excelência.
— E o que é?
— É sonhar.
Na semana seguinte, foram os últimos a ser
atendidos. O médico, sisudo, taciturneou: o miúdo
[30] não teria, por acaso, mais versos? O menino não
entendeu.
— Não continuas a escrever?
— Isto que faço não é escrever, doutor. Estou,
sim, a viver. Tenho este pedaço de vida – disse,
[35] apontando um novo caderninho – quase a meio.
O médico chamou a mãe, à parte. Que aquilo
era mais grave do que se poderia pensar. O menino
carecia de internamento urgente.
— Não temos dinheiro – fungou a mãe entre
[40] soluços.
— Não importa – respondeu o doutor.
Que ele mesmo assumiria as despesas. E que
seria ali mesmo, na sua clínica, que o menino seria
sujeito a devido tratamento. E assim se procedeu.
[45] Hoje quem visita o consultório raramente
encontra o médico. Manhãs e tardes ele se senta
num recanto do quarto onde está internado o
menino. Quem passa pode escutar a voz pausada
do filho do mecânico que vai lendo, verso a verso,
[50] o seu próprio coração. E o médico, abreviando
silêncios:
— Não pare, meu filho. Continue lendo...
COUTO, Mia. O menino que escrevia versos. Disponível em: miacouto_menu.asp>. Acesso em: 14 abr. 2016. Adaptado .
O texto de Mia Couto sugere que os versos do menino