Agora todo mundo tem opinião
[1] Meu amigo Adamastor, o gigante, me apareceu hoje de manhã, 1 muito cedo, aqui na
[2] biblioteca, e disse que vinha a fim de um cafezinho. Mentira, eu sei. Quando ele vem tomar um
[3] cafezinho é porque está com alguma ideia borbulhando em sua mente.
[4] E estava. Depois do primeiro gole e antes do segundo, café muito quente, ele afirmou que
[5] concorda plenamente com a democratização da informação. Agora, com o advento da internet,
[6] qualquer pessoa, democraticamente, pode externar aquilo que pensa.
[7] Balancei a cabeça, na demonstração de uma quase divergência, e seu espanto também me
[8] espantou. Como assim, ele perguntou, está renegando a democracia? Pedi com modos a meu amigo
[9] que não embaralhasse as coisas. Democracia não é um termo divinatório, que se aplique sempre,
[10] em qualquer situação.
[11] Ele tomou o segundo gole com certa avidez e queimou a língua.
[12] Bem, voltando ao assunto, nada contra a democratização dos meios para que se divulguem
[13] as opiniões, as mais diversas, mais esdrúxulas, mais inovadoras, e tudo o mais. É um direito que
[14] toda pessoa tem: emitir opinião.
[15] O que o Adamastor não sabia é que uns dias atrás andei consultando uns filósofos, alguns
[16] antigos, outros modernos, desses que tratam de um palavrão que sobrevive até os dias atuais:
[17] gnoseologia. Isso aí, para dizer teoria do conhecimento.
[18] Sim, e daí?, ele insistiu.
[19] O mal que vejo, continuei, não está na enxurrada de opiniões as mais isso ou aquilo na
[20] internet, e principalmente com a chegada do Facebook. Isso sem contar a imensa quantidade de
[21] textos apócrifos, muitas vezes até opostos ao pensamento do presumido autor, falsamente
[22] presumido. A graça está no fato de que todos, agora, têm opinião sobre tudo.
[23] − Mas isso não é bom?
[24] O gigante, depois da maldição de Netuno, tornou-se um ser impaciente.
[25] O fato, em si, não tem importância alguma. O problema é que muita gente lê a enxurrada de
[26] bobagens que aparecem na internet não como opinião, mas como conhecimento. O Platão, por
[27] exemplo, afirmava que opinião (doxa) era o falso conhecimento. O conhecimento verdadeiro
[28] (episteme) depende de estudo profundo, comprovação metódica, teste de validade. Essas coisas de
[29] que se vale em geral a ciência.
[30] O mal que há nessa “democratização” dos veículos é que se formam crenças sem
[31] fundamento, mudam-se as opiniões das pessoas, afirmam-se absurdos em que muita pessoa
[32] ingênua acaba acreditando. Sim, porque estudar, comprovar metodicamente, testar a validade, tudo
[33] isso dá muito trabalho.
[34] O Adamastor não estava muito convencido da justeza dos meus argumentos, mas o café
[35] tinha terminado e ele se despediu.
Texto de Menalton Braff, publicado em 03 de abril de 2015. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2015.
Julgue as afirmativas a seguir como verdadeiras (V) ou falsas (F).
( ) Na linha 11, o verbo queimar é transitivo direto, cujo complemento é o objeto direto formado pela expressão a língua.
( ) O verbo embaralhar (linha 9) está conjugado no tempo pretérito perfeito do modo indicativo.
( ) Quanto à acentuação ortográfica, as palavras café e lê distinguem-se por serem oxítona e monossílabo tônico, respectivamente.
( ) O advérbio democraticamente é formado por processo de derivação, em que foi acrescentado o sufixo –mente ao radical do adjetivo feminino democrática.
A sequência correta, de cima para baixo, é