Leia o texto a seguir.
EPISÓDIO VENEZIANO
[1] A Duquesa de Arrivabene apaixonou-se por um
[2] gondoleiro de Veneza e, para não deixá-lo um só
[3] momento, acompanhava-o no trabalho.
[4] Frequentemente, manejava o remo, deixando a
[5] cabeça do namorado repousar em seu colo
[6] alabastrino.
[7] Era ciumenta a duquesa, e Paolo tinha de recusar
[8] passageiras cujo sorriso parecia demasiado promissor.
[9] Com o tempo, nem mais os homens eram admitidos
[10] na gôndola, que vogava ao sabor do capricho
[11] feminino, entre beijos que se diriam capazes de
[12] inflamar a água do canal.
[13] Paolo, exausto, quis fugir, mas sua amante ameaçou
[14] afundar com ele e com a embarcação, em derradeiro
[15] enlace amoroso.
[16] A gôndola envelheceu, os dois também. Se já não
[17] se amavam como antigamente, é porque tinham
[18] chegado a formar uma só individualidade, meio carne,
[19] meio madeira. Um dia, o barco afundou, levando
[20] consigo os dois amantes, não se sabe se ainda vivos
[21] ou mumificados. Desde então, os gondoleiros temem
[22] o amor das duquesas e preferem não transportá-las,
[23] pretextando que a gôndola está com defeito.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Prosa seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.
Na linha 6, a palavra “alabastrino” só não pode ser entendida como