TEXTO
de repente
me lembro do verde
da cor verde
a mais verde que existe
a cor mais alegre
a cor mais triste
o verde que vestes
o verde que vestiste
o dia em que eu te vi
o dia em que me viste
de repente
vendi meus filhos
a uma família americana
eles têm carro
eles têm grana
eles têm casa
a grama é bacana
só assim eles podem voltar
e pegar um sol em copacabana
(LEMINSKI, Paulo. Toda poesia. 12. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 100.)
O poema de Paulo Leminski, apresentado no Texto, compõe o livro Caprichos & relaxos, publicado no início da década de 1980 e foi reunido no livro Toda Poesia.
Na relação forma/sentido, assinale a alternativa que analisa corretamente o recurso estilístico mais recorrente no poema:
TEXTO
A enxada
[...]
Na Forquilha, recebeu Supriano um pedaço de mato derrubado, queimado e limpo. Era do velho Terto, que não pôde tocar por ter morrido de sezão. Como o delegado houvesse aprevenido o novo dono de que Piano era muito velhaco, ao entregar a terra Elpídio ponderou muito braboso:
— Quero ver que inzona você vai inventar para não plantar a roça... Olha lá que não sou quitanda! Supriano não tinha inzona nenhuma.
Perguntou, porque foi só isso que veio à mente do coitado:
— E a enxada, adonde que ela está, nhô? Elpídio quase que engasga com o guspe de tanta jeriza:
— Nego à toa, não vale a dívida e ainda está querendo que te dê enxada! Hum, tem muita graça! Piano era trabalhador e honesto. Devia ao delegado porque ninguém era homem de acertar contas com esse excomungado. Pior que Capitão Benedito em três dobros. Se, porém, lhe pagassem o trabalho, capaz de aprumar. Não tinha muita saúde, por via do papo, mas era bom de serviço. Assim, diante da zoada do patrão, foi pelando-se de medo que o camarada arriscou um pedido:
— Me perdoa a confiança, meu patrão, mas mecê fia a enxada da gente e na safra, Deus ajudando, a gente paga com juro...
— Ocê que paga, seu berdamerda! — E Seu Elpídio ficou mais irado ainda. — Te dou enxada e ocê fica devendo a conta do delegado e a enxada pro riba. Não senhor. Vá plantar meu arroz já, já.
— Meu patrãozinho, mas plantar sem... — Elpídio o atalhou: — Vai-se embora, nego. E se fugir te boto soldado no seu rasto.
(ÉLIS, Bernardo. Melhores contos. 4. ed. São Paulo: Global, 2015. p. 58-59.)
“Na Forquilha, recebeu Supriano um pedaço de mato derrubado, queimado e limpo.” Esse trecho do Texto apresenta duas vírgulas.
Assinale a opção que corretamente justifica seu uso:
TEXTO
A velha engolida pela pedra
Não sou homem de igreja. Não creio e isso me dá uma tristeza. Porque, afinal, tenho em mim a religiosidade exigível a qualquer crente. Sou religioso sem religião. Sofro, afinal, a doença da poesia: sonho lugares em que nunca estive, acredito só no que não se pode provar. E, mesmo se eu hoje rezasse, não saberia o que pedir a Deus. Esse é o meu medo: só os loucos não sabem o que pedir a Deus. Ou não se dará o caso de Deus ter perdido fé nos homens? Enfim, meu gosto de visitar as igrejas vem apenas da tranquilitude desses lugarinhos côncavos, cheios de sombras sossegadas. Lá eu sei respirar. Fora fica o mundo e suas desacudidas misérias.
Pois numa dessas visitas me aconteceu o que não posso evitar de relembrar. A igrejinha era de pedra crua, dessa pedra tão idosa como a terra. Nem parecia obra de humano traço. Eu apreciava as figuras dos santos, madeiras com alma de se crer. Foi quando escutei uns bichanos. Primeiro duvidei. Eram sons que não se traduziam em nada de terrestre. Estaria eu a ser chamado por forças do além? Estremeci. Quem está preparado para dialogar com a eternidade? Os sibilos prosseguiam e, então, me discerni: era uma velha que me chamava [...]:
— Pssst, pssst.
— Eu?
— Sim, próprio você. Me ajude levantar
Tentei ajudá-la a se erguer. Desconsegui. Nem eu esperava peso tão volumoso daquela mínima criatura. [...] A velha não conseguia desajoelhar-se. [...] Que fazer? Me sentei ao lado da velha, hesitando em como lhe pegar.
— Vá me ajude, me empurre deste chão. Depresse-se, moço, que já estou ficando pedra.
[...] — Espere: vou chamar mais alguém.
— Não me deixa sozinha, meu filho. Não me deixe, por favor.
Me levantei para espreitar: a igrejinha estava vazia. [...]
[...]
Ainda me apliquei em novas forças, dobrei os intentos. Nem um deslizar da velha. De repente, eclatou o som iremediável de uma porta. Apurei os olhos na penumbra. Tinham fechado as pesadas portadas da igreja. Acorri, demasiado tarde. Chamei, gritei, bati, pés e mãos. Em vão. Tentava arrombar a porta, a velha me dissuadiu. Era pecado mais que mortal machucar a casa de Deus.
— Mas é para sairmos, não podemos ficar aqui presos.
Contudo, a porta era à prova de forças. A verdade era que eu e a beata estávamos prisioneiros daquele escuro. Acendi todas as velas que encontrei e me sentei junto da velha. Escutei as suas falagens: sabe, meu filho, sabe o que estive a pedir a Deus? Estive a pedir que me levasse, minha palhota lá em cima já está pronta. E eu aqui já me custo tanto! Problema é eu já não tenho corpo para ir sozinha para o céu. Estou tão velha, tão cansadíssima que não aguento subir todos esses caminhos até lá, nos aléns. Pedi sabe o quê? Pedi que me vertesse em pássaro, desses capazes de compridas voações, desses que viajam até passar os infinitos. É verdade, filho. Esta tarde pedi a Deus que me vertesse em pássaro. E me desse asas só para me levar deste mundo.
Adormeci nessa lenga-lengação dela. Me afundei em sono igual à pedra onde me deitava. Fiquei em total cancelamento: na ausência do ruído, dos queixumes e rebuliços da cidade. Acordei no dia seguinte, sacudido pelo padre: o que eu fazia ali, dormindo como um larápio, um pilha-patos? Expliquei o motivo da velha.
— Qual velha?, perguntou o sacerdote.
Olhei. Da velha nem o sopro. Não estava aqui uma senhora com os joelhos amarrados no chão? O padre, de impaciente paciência, me pediu que saísse. E que não voltasse a usar indevidamente o sagrado daquele lugar. Saí, cabistonto. Para além da porta, o mundo era de se admirar, coisa de curar antigas melancolias. A luz da manhã me estrelinhou as vistas. Nada cega mais que o sol.
Naquela estonteação me chegou a repentina visão de uma ave, enormíssima em branquejos. Ali mesmo, à minha frente, o pássaro desarpoava, esvoando entre chão e folhagens. Acenei, sem jeito, barafundido. Ela sorriu-me: que fazes, me despedes? Não, eu não vou a nenhum lado. Foi mentira esse pedido que eu fiz a Deus. Aldrabei-Lhe bem. Eu não quero subir para lá, para as eternidades. Eu quero ser pássaro é para voar a vida. Eu quero viajar é neste mundo. E este mundo, meu filho, é coisa para não se deixar por nada desse mundo.
E levantou voo em fantásticas alegrias.
(COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. 5. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. p.121-124.)
A palavra “pois”, empregada no início do segundo parágrafo do Texto, pode ter diferentes sentidos, dependendo do contexto.
No texto em análise, “pois” indica (assinale a resposta correta):
TEXTO
16
Meu avô me levava sempre em suas visitas de corregedor às terras de seu engenho. Ia ver de perto os seus moradores, dar uma visita de senhor nos seus campos. O velho José Paulino gostava de percorrer a sua propriedade, de andá-la canto por canto, entrar pelas suas matas, olhar as suas nascentes, saber das precisões de seu povo, dar os seus gritos de chefe, ouvir queixas e implantar a ordem. Andávamos muito nessas suas visitas de patriarca. Ele parava de porta em porta, batendo com a tabica de cipó-pau nas janelas fechadas. Acudia sempre uma mulher de cara de necessidade: a pobre mulher que paria os seus muitos filhos em cama de vara e criava-os até grandes com o leite de seus úberes de mochila. Elas respondiam pelos maridos:
— Anda no roçado.
— Está doente.
— Foi pra rua comprar gás.
Outras se lastimavam de doenças em casa, com os meninos de sezão e o pai entrevado em cima da cama. E quando o meu avô queria saber por que o Zé Ursulino não vinha para os seus dias no eito, elas arranjavam desculpas:
— Levantou-se hoje do reumatismo.
O meu avô então gritava:
— Boto pra fora. Gente safada, com quatro dias de serviço adiantado e metidos no eito do Engenho Novo. Pensam que eu não sei? Toco fogo na casa.
— É mentira, seu coronel. Zé Ursulino nem pode andar. Tomou até purga de batata. O povo foi contar mentira pro senhor. Santa Luzia me cegue, se estou inventando.
E os meninos nus, de barriga tinindo como bodoque. E o mais pequeno na lama, brincando com o borro sujo como se fosse com areia da praia.
— Estamos morrendo de fome. Deus quisera que Zé Ursulino estivesse com saúde.
— Diga a ele que pra semana começa o corte da cana.
(REGO, José Lins do. Menino de engenho. 102. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2010. p. 57-58.)
No primeiro parágrafo do Texto, a expressão “Meu avô”, de conteúdo mais geral, associa-se a “velho José Paulino”, de conteúdo mais específico, de modo que o leitor identifica quem é o avô depois de ler “velho José Paulino”.
Sobre essa relação, pode-se afirmar que se trata de (assinale a resposta correta):
TEXTO
[...]
Era uma promessa, mas eu não via grande coisa no futuro, o mar estava muito longe, meu pensamento estava cravado ali mesmo, nos dias e noites do presente, nas portas fechadas do liceu, na morte de Laval. Yaqub sabia disso? Ele notou minha inquietação, minha tristeza. Disse-lhe isto: que estava com medo, faltava pouco para terminar o curso no liceu. Um professor tinha sido assassinado, o Antenor Laval... Ele ficou pensativo, balançando a cabeça. Olhou para mim: “Eu também tenho um amigo... foi meu professor em São Paulo...”. Parou de falar, me olhou como se eu não fosse entender o que ele ia dizer. Na época em que havia estudado no colégio dos padres Yaqub talvez tivesse conhecido Laval.
Ele sabia que Manaus se tornara uma cidade ocupada. As escolas e os cinemas tinham sido fechados, lanchas da Marinha patrulhavam a baía do Negro, e as estações de rádio transmitiam comunicados do Comando Militar da Amazônia. Rânia teve que fechar a loja porque a greve dos portuários terminara num confronto com a polícia do Exército. Halim me aconselhou a não mencionar o nome de Laval fora de casa. Outros nomes foram emudecidos. A tarja preta que cobria uma parte da fachada do liceu fora arrancada e as portas do prédio permaneceram trancadas por várias semanas.
Mesmo assim, Yaqub não se intimidou com os veículos verdes que cercavam as praças e o Manaus Harbour, com os homens de verde que ocupavam as avenidas e o aeroporto. Nem mesmo um diabo verde o teria intimidado. Eu não queria sair de casa, não entendia as razões da quartelada, mas sabia que havia tramas, movimento de tropas, protestos por toda parte. Violência. Tudo me fez medo. Mas ele insistiu em que eu o acompanhasse: “Já fui militar, sou oficial da reserva”, me disse orgulhoso.
(HATOUM, Milton. Dois irmãos. 19. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 149.)
“Disse-lhe isto: que estava com medo, faltava pouco para terminar o curso no liceu.”
Quanto à função sintática do pronome enclítico nesse trecho extraído do Texto, pode-se afirmar que (marque a resposta correta):
TEXTO
Tião — Tem uma nota sobre a greve na primeira página!...
oTávio — Se até as oito horas da noite não derem o aumento, greve geral na metalúrgica!
Tião — Ninguém tem peito, pai!
oTávio — Como não tem peito? Tá esquecido do ano passado?
Tião — Eu não tava lá.
oTávio — Mas eu estava! Deram o aumento ou não deram?
Tião — Deram parte do aumento, parte! E mesmo assim porque todas as categorias aderiram! Mas aguentá o tranco sozinho, ninguém.
oTávio — Espera só a assembleia de hoje e vai ver se tem peito ou não! Eu tinha avisado, hein! O ano passado entramos em acordo com o patrão e foi o que se viu. Agora, aprenderam.
Tião — E por que entraram em acordo?
oTávio — Porque parte da comissão amoleceu...
Tião — Tá vendo, t’aí! Se, em greve de conjunto metade da turma amoleceu...
oTávio — Metade da turma não senhor! Metade da comissão.
Tião — E então?
oTávio — E então, o quê? Eram pelegos! A turma topava mas tinha meia dúzia deles que eram pelegos. A turma topava, os pelegos deram pra trás.
Tião — Não, pai. Pro senhor, quem não pensa como o senhor é pelego...
oTávio — Nada disso! Eram pelegos no duro. T’aí a
prova: tá tudo bem arrumado na fábrica. Tudo chefe e fiscal. O que é isso? Peleguismo, traidores da classe operária...
Tião — Então metade da turma lá da fábrica é pelego, porque tá tudo com medo da greve!
oTávio (furioso) — Não diz besteira, seu idiota! A turma que t’aí é a mesma turma que fez greve o ano passado e que aguentou tropa de choque em 51...
(GUARNIERI, Gianfrancesco. Eles não usam black-tie. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p. 42-44.)
Analise os trechos extraídos do Texto, apresentados nas alternativas a seguir e assinale aquele que está completo, sem elipse de elemento sintático.
Marque a resposta correta: