Leia atentamente o texto a seguir e responda à questão.
Até as abelhas aprendem com os mais velhos
Ando pensando nas consequências da longevidade
desde que descobri que ela, por sua vez, acompanha
simplesmente o número de neurônios no córtex cerebral.
Não é mais preciso apelar para seleção natural para explicar
[5] a "evolução da longevidade": o que quer que seja que
aumenta o número desses neurônios entre espécies
também vem com uma vida mais longa.
Também não é preciso vida longa, ou muitos
neurônios, para vingar nesse planeta. Camundongos têm
[10] um milésimo do nosso número de neurônios cor
cais, e
vivem apenas um quadragésimo da nossa vida. Ainda assim,
vão muito bem, obrigada: não é preciso nem muitos
neurônios, nem vida longa para ter sucesso na vida, se
"sucesso" for definido simplesmente como deixar
[15] descendentes. Bactérias, por esse critério, são as campeãs
de sucesso, sem um único neuroniozinho.
Não que ter neurônios a mais e vida mais longa não
tenha suas vantagens. Uma delas é a possibilidade de
conviver com gerações anteriores – ou, pelo menos,
[20] indivíduos um pouquinho mais velhos, o suficiente para já
terem aprendido na prá
ca e terem o que demonstrar para
os mais novos. Funciona em tribos e comunidades humanas
pré-industriais, que vêm ensinando aos antropólogos que
não são as avós pós-menopausa que ensinam know-how às
[25] crianças, não: são as outras crianças maiores, mesmo (e
antes que os e-mails de avós furiosas inundem minha caixa
postal e minha mãe me puxe as orelhas, eu acrescento: com
as avós [e avôs também, para que meu pai não me xingue e
os avôs de plantão não se exaltem], as crianças aprendem
[30] aquilo que precisa ser contado para ser transmi
do).
Até para as abelhas e mangavas o convívio com aqueles
um pouquinho mais velhos, que já têm algo a ensinar, é
importante para o aprendizado, como demonstraram dois
estudos recentes. Num, da Academia de Ciências da China,
[35] os pesquisadores finalmente criaram colmeias inteiras de
abelhas "analfabetas" em dança. Digo "finalmente" porque,
segundo a lenda, a dança das abelhas, que indica a
localização de flores carregadas de pólen, seria inata: algo
que as abelhas nascem sabendo fazer. De fato, até abelhas
[40] "analfabetas" dançam, ao voltar para a colmeia (o que para
mim pode ser uma dancinha feliz de comemoração, inata,
de fato). Só que dançam mal, cheias de erros de direção e
distância – mas boa parte do problema se resolve criando
novas colmeias com umas poucas operárias mais velhas,
[45] boas de dança.
No outro, da Universidade Queen Mary, de Londres,
Lars Chika continuou botando suas mangavas à prova, e
demonstrou que elas não só aprendem por imitação a
empurrar um pino azul ou vermelho para ganhar acesso à
[50] comida, como formam preferência pelo método ensinado –
mesmo que depois descubram que o outro pino também
funciona.
Os neurônios são poucos e a vida das mangavas é
curtíssima, então tudo se aprende de novo de um ano para
[55] o outro. Mas abelhas de idades diferentes coexistem, como
crianças humanas, e as mais velhas demonstram às mais
novas como dançar direito.
(Suzana Herculano-Houzel. Bióloga e neurocien sta da Universidade Vanderbilt (EUA). Folha de S.Paulo. 1o.mai.2023.)
De fato, até abelhas "analfabetas" dançam, ao voltar para a colmeia (o que para mim pode ser uma dancinha feliz de comemoração, inata, de fato). (L.39-42)
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