Um cercado foi "montado" por moradores de rua para o desfile do Galo da Madrugada, neste sábado (9). A família, que tem uma "casa" em frente ao antigo edifício Trianon, na Boa Vista, área central do Recife, fez (ou fizeram para ela) uma área isolada por fita para se proteger da multidão. [...]
Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2013. (Adaptado.)
No texto "Ninguém mora onde não mora ninguém", em:
“[...] Alguns moram em lugares específicos, têm sua ‘própria’ esquina, carregam objetos de uso aonde quer que vão; outros perambulam a esmo, desaparecendo da vista de quem tem onde morar.[...].” (l. 59 a 62) e “[...] E no entanto, praticam o mesmoque os outros dentro de suas casas: dormem, comem, fazem sexo. A condição humana é o que se divide por paredes ou na ausência delas. A democracia torna-se uma questão de nudez e exposição da vida íntima.” (Linhas 65-69),
pode-se observar, assim como no texto II, "Moradores de rua têm cercado para o Galo da Madrugada" , o uso de recursos de linguagem que estabelecem a intertextualidade dos textos, melhor evidenciada, SOBRETUDO:
Texto I
Ninguém mora onde não mora ninguém
Nas grandes cidades, pessoas que não têm onde
morar são contraditoriamente chamadas de “moradores” de rua.
É um eufemismo que acoberta o quadro da injustiça social típica
das sociedades em fase de capitalismo selvagem, aquele no qual
a eliminação do outro é a regra. Que tantos e cada vez mais
vivam nas ruas é uma prova de que o famoso instinto gregário do
ser humano se esfacela, ou assume formas cada vez mais
enganadoras, porquanto mais voláteis em uma sociedade que é,
ao mesmo tempo, de massas e de indivíduos que não têm a
menor noção do que significa o outro.
O aumento das relações virtuais em detrimento das
relações “atuais” é a própria perversão das massas marcadas
pela anulação física individual em nome de um eu abstrato,
sustentado apenas como imagem, como avatar, e que tem como
correspondente um outro reduzido à sua mera abstração. Há,
certamente, exceções para a regra da distância com que o eu
mede o outro.
Dizem as pesquisas que o número de pessoas vivendo
sem teto cresceu nos últimos anos por causa do desemprego. E
são milhares. Motivos além do desemprego podem confundir
quanto ao sentido (e o sem sentido) da complexa experiência
vivida por essas pessoas. Afinal, pode-se encontrar entre os que
vivem nas ruas até mesmo quem não se sente em situação de
injustiça social.
A população das ruas das grandes cidades é composta
de habitantes (ou desabitantes) provisórios ou não, que estão ali
por motivos diversos. Muitas vezes são afetivos. Não é raro
encontrar ricas histórias de vida entre as pessoas sem morada,
desde aquele que renunciou à vida burguesa por considerá-la
insuportável, até quem, por meio de inesperadas leituras
filosóficas, criou um significado para o ato de “habitar” a
transitoriedade, ou seja, “desabitar” instransitivamente e estar
assim, na mera existência.
Que não habitar uma casa possa significar uma
experiência existencial é, no entanto, apenas a exceção que
confirma a regra da contemporânea injustiça social a cuja base
racional e afetiva tantos entregam as forças. Renunciar, desistir,
jogar a toalha, permitir-se a impotência como o Bartleby, de
Melville, ou o fracasso, como um dia afirmou J. L. Borges, pode
ser o único modo de viver em um mundo marcado pela
melancolia e pelo sem sentido em termos políticos, estéticos e
metafísicos.
O cenário social contemporâneo é o espaço e o tempo
dessa possibilidade de fracasso que diz respeito à potencialidade
mais profunda de nossos tempos. É a forma mais terrível do mal,
a da banalização que se estabelece na vida humana como força
lógica. Como um “deixar acontecer”, ao qual damos o nome de
“abandono”, esse ato de exílio, de ostracismo, de curiosa rejeição
sem ação. A mendicância das pessoas é apenas a verdade
íntima do capitalismo como mendicância da própria política
deixada a esmo em nome de antipolíticos interesses pessoais. A
mendicância é a imagem social das escolas, dos hospitais
públicos, do salário mínimo.
“Moradores de rua” são a figura mais perfeita do
abandono que está no imo da devoração capitalista. Convive-se
com eles nos bairros elegantes das cidades grandes como se
fossem um estorvo ou, para quem pensa de um modo mais
humanitário, como um problema social a ser resolvido
filantropicamente. Alguns moram em lugares específicos, têm sua
“própria” esquina, carregam objetos de uso aonde quer que vão;
outros perambulam a esmo, desaparecendo da vista de quem
tem onde morar. São meras fantasmagorias aos olhos de quem
não é capaz de supor sua alteridade. Esmagados pela
contradição de morar onde não mora ninguém, não têm o direito
de ser alguém. Partilham o deslugar. E, no entanto, praticam o
mesmo que os outros dentro de suas casas: dormem, comem,
fazem sexo. A condição humana é o que se divide por paredes
ou na ausência delas. A democracia torna-se uma questão de
nudez e exposição da vida íntima.
Ninguém “mora na rua”; antes, quem está na rua não
mora. Quem está fora dos básicos direitos constitucionais está
excluído da sociedade. E, muito mais além da Constituição, está
excluído pelo próprio status com que é medido. O status de
“morador de rua” é apenas um modo de incluir os excluídos na
ordem do discurso acobertadora do fascismo prático de cada dia,
oculto sob o véu da autista sensibilidade burguesa. Se o princípio
de autoconservação a qualquer custo é a base da ação de
indivíduos unidos na massa, está imediatamente perdida a
dimensão do outro sem a qual não podemos dizer que haja ética
ou política. Mesmo sob o status de m
orador de rua, o mendigo da
nossa esquina é a prova do fracasso de todos os sistemas. Se as
estatísticas não mudarem comprovando que a tendência da
exceção pode ser a regra, talvez a democracia de teto e paredes
não sirva mais a ninguém em breve. Só que às avessas.
TIBURI, Márcia. Ninguém mora onde não mora ninguém. Cult, São Paulo, n. 155, mar. 2011. Disponível em: <revistacult.uol.com.br/home/2011/03/ninguem-mora-onde-não-moraninguem/>.Acesso em: 06 fev. 2012. (Adaptado)
A partir dos argumentos apresentados no texto, depreende-se que:
Texto I
Ninguém mora onde não mora ninguém
Nas grandes cidades, pessoas que não têm onde
morar são contraditoriamente chamadas de “moradores” de rua.
É um eufemismo que acoberta o quadro da injustiça social típica
das sociedades em fase de capitalismo selvagem, aquele no qual
a eliminação do outro é a regra. Que tantos e cada vez mais
vivam nas ruas é uma prova de que o famoso instinto gregário do
ser humano se esfacela, ou assume formas cada vez mais
enganadoras, porquanto mais voláteis em uma sociedade que é,
ao mesmo tempo, de massas e de indivíduos que não têm a
menor noção do que significa o outro.
O aumento das relações virtuais em detrimento das
relações “atuais” é a própria perversão das massas marcadas
pela anulação física individual em nome de um eu abstrato,
sustentado apenas como imagem, como avatar, e que tem como
correspondente um outro reduzido à sua mera abstração. Há,
certamente, exceções para a regra da distância com que o eu
mede o outro.
Dizem as pesquisas que o número de pessoas vivendo
sem teto cresceu nos últimos anos por causa do desemprego. E
são milhares. Motivos além do desemprego podem confundir
quanto ao sentido (e o sem sentido) da complexa experiência
vivida por essas pessoas. Afinal, pode-se encontrar entre os que
vivem nas ruas até mesmo quem não se sente em situação de
injustiça social.
A população das ruas das grandes cidades é composta
de habitantes (ou desabitantes) provisórios ou não, que estão ali
por motivos diversos. Muitas vezes são afetivos. Não é raro
encontrar ricas histórias de vida entre as pessoas sem morada,
desde aquele que renunciou à vida burguesa por considerá-la
insuportável, até quem, por meio de inesperadas leituras
filosóficas, criou um significado para o ato de “habitar” a
transitoriedade, ou seja, “desabitar” instransitivamente e estar
assim, na mera existência.
Que não habitar uma casa possa significar uma
experiência existencial é, no entanto, apenas a exceção que
confirma a regra da contemporânea injustiça social a cuja base
racional e afetiva tantos entregam as forças. Renunciar, desistir,
jogar a toalha, permitir-se a impotência como o Bartleby, de
Melville, ou o fracasso, como um dia afirmou J. L. Borges, pode
ser o único modo de viver em um mundo marcado pela
melancolia e pelo sem sentido em termos políticos, estéticos e
metafísicos.
O cenário social contemporâneo é o espaço e o tempo
dessa possibilidade de fracasso que diz respeito à potencialidade
mais profunda de nossos tempos. É a forma mais terrível do mal,
a da banalização que se estabelece na vida humana como força
lógica. Como um “deixar acontecer”, ao qual damos o nome de
“abandono”, esse ato de exílio, de ostracismo, de curiosa rejeição
sem ação. A mendicância das pessoas é apenas a verdade
íntima do capitalismo como mendicância da própria política
deixada a esmo em nome de antipolíticos interesses pessoais. A
mendicância é a imagem social das escolas, dos hospitais
públicos, do salário mínimo.
“Moradores de rua” são a figura mais perfeita do
abandono que está no imo da devoração capitalista. Convive-se
com eles nos bairros elegantes das cidades grandes como se
fossem um estorvo ou, para quem pensa de um modo mais
humanitário, como um problema social a ser resolvido
filantropicamente. Alguns moram em lugares específicos, têm sua
“própria” esquina, carregam objetos de uso aonde quer que vão;
outros perambulam a esmo, desaparecendo da vista de quem
tem onde morar. São meras fantasmagorias aos olhos de quem
não é capaz de supor sua alteridade. Esmagados pela
contradição de morar onde não mora ninguém, não têm o direito
de ser alguém. Partilham o deslugar. E, no entanto, praticam o
mesmo que os outros dentro de suas casas: dormem, comem,
fazem sexo. A condição humana é o que se divide por paredes
ou na ausência delas. A democracia torna-se uma questão de
nudez e exposição da vida íntima.
Ninguém “mora na rua”; antes, quem está na rua não
mora. Quem está fora dos básicos direitos constitucionais está
excluído da sociedade. E, muito mais além da Constituição, está
excluído pelo próprio status com que é medido. O status de
“morador de rua” é apenas um modo de incluir os excluídos na
ordem do discurso acobertadora do fascismo prático de cada dia,
oculto sob o véu da autista sensibilidade burguesa. Se o princípio
de autoconservação a qualquer custo é a base da ação de
indivíduos unidos na massa, está imediatamente perdida a
dimensão do outro sem a qual não podemos dizer que haja ética
ou política. Mesmo sob o status de m
orador de rua, o mendigo da
nossa esquina é a prova do fracasso de todos os sistemas. Se as
estatísticas não mudarem comprovando que a tendência da
exceção pode ser a regra, talvez a democracia de teto e paredes
não sirva mais a ninguém em breve. Só que às avessas.
TIBURI, Márcia. Ninguém mora onde não mora ninguém. Cult, São Paulo, n. 155, mar. 2011. Disponível em: <revistacult.uol.com.br/home/2011/03/ninguem-mora-onde-não-moraninguem/>.Acesso em: 06 fev. 2012. (Adaptado)
“Ninguém ‘mora na rua’; antes, quem está na rua não mora. Quem está fora dos básicos direitos constitucionais está excluído da sociedade. E, muito mais além da Constituição, está excluído pelo próprio status com que é medido. O status de ‘morador de rua’ é apenas um modo de incluir os excluídos na ordem do discurso acobertadora do fascismo prático de cada dia, oculto sob o véu da autista sensibilidade burguesa.” (l. 70 a 76) Os elementos que constituem o fragmento permitem a seguinte interpretação, EXCETO:
.
Texto I
Ninguém mora onde não mora ninguém
Nas grandes cidades, pessoas que não têm onde
morar são contraditoriamente chamadas de “moradores” de rua.
É um eufemismo que acoberta o quadro da injustiça social típica
das sociedades em fase de capitalismo selvagem, aquele no qual
a eliminação do outro é a regra. Que tantos e cada vez mais
vivam nas ruas é uma prova de que o famoso instinto gregário do
ser humano se esfacela, ou assume formas cada vez mais
enganadoras, porquanto mais voláteis em uma sociedade que é,
ao mesmo tempo, de massas e de indivíduos que não têm a
menor noção do que significa o outro.
O aumento das relações virtuais em detrimento das
relações “atuais” é a própria perversão das massas marcadas
pela anulação física individual em nome de um eu abstrato,
sustentado apenas como imagem, como avatar, e que tem como
correspondente um outro reduzido à sua mera abstração. Há,
certamente, exceções para a regra da distância com que o eu
mede o outro.
Dizem as pesquisas que o número de pessoas vivendo
sem teto cresceu nos últimos anos por causa do desemprego. E
são milhares. Motivos além do desemprego podem confundir
quanto ao sentido (e o sem sentido) da complexa experiência
vivida por essas pessoas. Afinal, pode-se encontrar entre os que
vivem nas ruas até mesmo quem não se sente em situação de
injustiça social.
A população das ruas das grandes cidades é composta
de habitantes (ou desabitantes) provisórios ou não, que estão ali
por motivos diversos. Muitas vezes são afetivos. Não é raro
encontrar ricas histórias de vida entre as pessoas sem morada,
desde aquele que renunciou à vida burguesa por considerá-la
insuportável, até quem, por meio de inesperadas leituras
filosóficas, criou um significado para o ato de “habitar” a
transitoriedade, ou seja, “desabitar” instransitivamente e estar
assim, na mera existência.
Que não habitar uma casa possa significar uma
experiência existencial é, no entanto, apenas a exceção que
confirma a regra da contemporânea injustiça social a cuja base
racional e afetiva tantos entregam as forças. Renunciar, desistir,
jogar a toalha, permitir-se a impotência como o Bartleby, de
Melville, ou o fracasso, como um dia afirmou J. L. Borges, pode
ser o único modo de viver em um mundo marcado pela
melancolia e pelo sem sentido em termos políticos, estéticos e
metafísicos.
O cenário social contemporâneo é o espaço e o tempo
dessa possibilidade de fracasso que diz respeito à potencialidade
mais profunda de nossos tempos. É a forma mais terrível do mal,
a da banalização que se estabelece na vida humana como força
lógica. Como um “deixar acontecer”, ao qual damos o nome de
“abandono”, esse ato de exílio, de ostracismo, de curiosa rejeição
sem ação. A mendicância das pessoas é apenas a verdade
íntima do capitalismo como mendicância da própria política
deixada a esmo em nome de antipolíticos interesses pessoais. A
mendicância é a imagem social das escolas, dos hospitais
públicos, do salário mínimo.
“Moradores de rua” são a figura mais perfeita do
abandono que está no imo da devoração capitalista. Convive-se
com eles nos bairros elegantes das cidades grandes como se
fossem um estorvo ou, para quem pensa de um modo mais
humanitário, como um problema social a ser resolvido
filantropicamente. Alguns moram em lugares específicos, têm sua
“própria” esquina, carregam objetos de uso aonde quer que vão;
outros perambulam a esmo, desaparecendo da vista de quem
tem onde morar. São meras fantasmagorias aos olhos de quem
não é capaz de supor sua alteridade. Esmagados pela
contradição de morar onde não mora ninguém, não têm o direito
de ser alguém. Partilham o deslugar. E, no entanto, praticam o
mesmo que os outros dentro de suas casas: dormem, comem,
fazem sexo. A condição humana é o que se divide por paredes
ou na ausência delas. A democracia torna-se uma questão de
nudez e exposição da vida íntima.
Ninguém “mora na rua”; antes, quem está na rua não
mora. Quem está fora dos básicos direitos constitucionais está
excluído da sociedade. E, muito mais além da Constituição, está
excluído pelo próprio status com que é medido. O status de
“morador de rua” é apenas um modo de incluir os excluídos na
ordem do discurso acobertadora do fascismo prático de cada dia,
oculto sob o véu da autista sensibilidade burguesa. Se o princípio
de autoconservação a qualquer custo é a base da ação de
indivíduos unidos na massa, está imediatamente perdida a
dimensão do outro sem a qual não podemos dizer que haja ética
ou política. Mesmo sob o status de m
orador de rua, o mendigo da
nossa esquina é a prova do fracasso de todos os sistemas. Se as
estatísticas não mudarem comprovando que a tendência da
exceção pode ser a regra, talvez a democracia de teto e paredes
não sirva mais a ninguém em breve. Só que às avessas.
TIBURI, Márcia. Ninguém mora onde não mora ninguém. Cult, São Paulo, n. 155, mar. 2011. Disponível em: <revistacult.uol.com.br/home/2011/03/ninguem-mora-onde-não-moraninguem/>.Acesso em: 06 fev. 2012. (Adaptado)
A figura do “véu” mostra que o fascismo que vigora dia a dia na sociedade capitalista está apenas parcialmente oculto, tendo em vista que, por exemplo, ele pode ser visualizado por críticos da ordem social, como a própria autora do texto
Texto I
Ninguém mora onde não mora ninguém
Nas grandes cidades, pessoas que não têm onde
morar são contraditoriamente chamadas de “moradores” de rua.
É um eufemismo que acoberta o quadro da injustiça social típica
das sociedades em fase de capitalismo selvagem, aquele no qual
a eliminação do outro é a regra. Que tantos e cada vez mais
vivam nas ruas é uma prova de que o famoso instinto gregário do
ser humano se esfacela, ou assume formas cada vez mais
enganadoras, porquanto mais voláteis em uma sociedade que é,
ao mesmo tempo, de massas e de indivíduos que não têm a
menor noção do que significa o outro.
O aumento das relações virtuais em detrimento das
relações “atuais” é a própria perversão das massas marcadas
pela anulação física individual em nome de um eu abstrato,
sustentado apenas como imagem, como avatar, e que tem como
correspondente um outro reduzido à sua mera abstração. Há,
certamente, exceções para a regra da distância com que o eu
mede o outro.
Dizem as pesquisas que o número de pessoas vivendo
sem teto cresceu nos últimos anos por causa do desemprego. E
são milhares. Motivos além do desemprego podem confundir
quanto ao sentido (e o sem sentido) da complexa experiência
vivida por essas pessoas. Afinal, pode-se encontrar entre os que
vivem nas ruas até mesmo quem não se sente em situação de
injustiça social.
A população das ruas das grandes cidades é composta
de habitantes (ou desabitantes) provisórios ou não, que estão ali
por motivos diversos. Muitas vezes são afetivos. Não é raro
encontrar ricas histórias de vida entre as pessoas sem morada,
desde aquele que renunciou à vida burguesa por considerá-la
insuportável, até quem, por meio de inesperadas leituras
filosóficas, criou um significado para o ato de “habitar” a
transitoriedade, ou seja, “desabitar” instransitivamente e estar
assim, na mera existência.
Que não habitar uma casa possa significar uma
experiência existencial é, no entanto, apenas a exceção que
confirma a regra da contemporânea injustiça social a cuja base
racional e afetiva tantos entregam as forças. Renunciar, desistir,
jogar a toalha, permitir-se a impotência como o Bartleby, de
Melville, ou o fracasso, como um dia afirmou J. L. Borges, pode
ser o único modo de viver em um mundo marcado pela
melancolia e pelo sem sentido em termos políticos, estéticos e
metafísicos.
O cenário social contemporâneo é o espaço e o tempo
dessa possibilidade de fracasso que diz respeito à potencialidade
mais profunda de nossos tempos. É a forma mais terrível do mal,
a da banalização que se estabelece na vida humana como força
lógica. Como um “deixar acontecer”, ao qual damos o nome de
“abandono”, esse ato de exílio, de ostracismo, de curiosa rejeição
sem ação. A mendicância das pessoas é apenas a verdade
íntima do capitalismo como mendicância da própria política
deixada a esmo em nome de antipolíticos interesses pessoais. A
mendicância é a imagem social das escolas, dos hospitais
públicos, do salário mínimo.
“Moradores de rua” são a figura mais perfeita do
abandono que está no imo da devoração capitalista. Convive-se
com eles nos bairros elegantes das cidades grandes como se
fossem um estorvo ou, para quem pensa de um modo mais
humanitário, como um problema social a ser resolvido
filantropicamente. Alguns moram em lugares específicos, têm sua
“própria” esquina, carregam objetos de uso aonde quer que vão;
outros perambulam a esmo, desaparecendo da vista de quem
tem onde morar. São meras fantasmagorias aos olhos de quem
não é capaz de supor sua alteridade. Esmagados pela
contradição de morar onde não mora ninguém, não têm o direito
de ser alguém. Partilham o deslugar. E, no entanto, praticam o
mesmo que os outros dentro de suas casas: dormem, comem,
fazem sexo. A condição humana é o que se divide por paredes
ou na ausência delas. A democracia torna-se uma questão de
nudez e exposição da vida íntima.
Ninguém “mora na rua”; antes, quem está na rua não
mora. Quem está fora dos básicos direitos constitucionais está
excluído da sociedade. E, muito mais além da Constituição, está
excluído pelo próprio status com que é medido. O status de
“morador de rua” é apenas um modo de incluir os excluídos na
ordem do discurso acobertadora do fascismo prático de cada dia,
oculto sob o véu da autista sensibilidade burguesa. Se o princípio
de autoconservação a qualquer custo é a base da ação de
indivíduos unidos na massa, está imediatamente perdida a
dimensão do outro sem a qual não podemos dizer que haja ética
ou política. Mesmo sob o status de m
orador de rua, o mendigo da
nossa esquina é a prova do fracasso de todos os sistemas. Se as
estatísticas não mudarem comprovando que a tendência da
exceção pode ser a regra, talvez a democracia de teto e paredes
não sirva mais a ninguém em breve. Só que às avessas.
TIBURI, Márcia. Ninguém mora onde não mora ninguém. Cult, São Paulo, n. 155, mar. 2011. Disponível em: <revistacult.uol.com.br/home/2011/03/ninguem-mora-onde-não-moraninguem/>.Acesso em: 06 fev. 2012. (Adaptado)
Assinale a opção CORRETA a respeito dos aspectos gramaticais do texto:
Texto I
Ninguém mora onde não mora ninguém
Nas grandes cidades, pessoas que não têm onde
morar são contraditoriamente chamadas de “moradores” de rua.
É um eufemismo que acoberta o quadro da injustiça social típica
das sociedades em fase de capitalismo selvagem, aquele no qual
a eliminação do outro é a regra. Que tantos e cada vez mais
vivam nas ruas é uma prova de que o famoso instinto gregário do
ser humano se esfacela, ou assume formas cada vez mais
enganadoras, porquanto mais voláteis em uma sociedade que é,
ao mesmo tempo, de massas e de indivíduos que não têm a
menor noção do que significa o outro.
O aumento das relações virtuais em detrimento das
relações “atuais” é a própria perversão das massas marcadas
pela anulação física individual em nome de um eu abstrato,
sustentado apenas como imagem, como avatar, e que tem como
correspondente um outro reduzido à sua mera abstração. Há,
certamente, exceções para a regra da distância com que o eu
mede o outro.
Dizem as pesquisas que o número de pessoas vivendo
sem teto cresceu nos últimos anos por causa do desemprego. E
são milhares. Motivos além do desemprego podem confundir
quanto ao sentido (e o sem sentido) da complexa experiência
vivida por essas pessoas. Afinal, pode-se encontrar entre os que
vivem nas ruas até mesmo quem não se sente em situação de
injustiça social.
A população das ruas das grandes cidades é composta
de habitantes (ou desabitantes) provisórios ou não, que estão ali
por motivos diversos. Muitas vezes são afetivos. Não é raro
encontrar ricas histórias de vida entre as pessoas sem morada,
desde aquele que renunciou à vida burguesa por considerá-la
insuportável, até quem, por meio de inesperadas leituras
filosóficas, criou um significado para o ato de “habitar” a
transitoriedade, ou seja, “desabitar” instransitivamente e estar
assim, na mera existência.
Que não habitar uma casa possa significar uma
experiência existencial é, no entanto, apenas a exceção que
confirma a regra da contemporânea injustiça social a cuja base
racional e afetiva tantos entregam as forças. Renunciar, desistir,
jogar a toalha, permitir-se a impotência como o Bartleby, de
Melville, ou o fracasso, como um dia afirmou J. L. Borges, pode
ser o único modo de viver em um mundo marcado pela
melancolia e pelo sem sentido em termos políticos, estéticos e
metafísicos.
O cenário social contemporâneo é o espaço e o tempo
dessa possibilidade de fracasso que diz respeito à potencialidade
mais profunda de nossos tempos. É a forma mais terrível do mal,
a da banalização que se estabelece na vida humana como força
lógica. Como um “deixar acontecer”, ao qual damos o nome de
“abandono”, esse ato de exílio, de ostracismo, de curiosa rejeição
sem ação. A mendicância das pessoas é apenas a verdade
íntima do capitalismo como mendicância da própria política
deixada a esmo em nome de antipolíticos interesses pessoais. A
mendicância é a imagem social das escolas, dos hospitais
públicos, do salário mínimo.
“Moradores de rua” são a figura mais perfeita do
abandono que está no imo da devoração capitalista. Convive-se
com eles nos bairros elegantes das cidades grandes como se
fossem um estorvo ou, para quem pensa de um modo mais
humanitário, como um problema social a ser resolvido
filantropicamente. Alguns moram em lugares específicos, têm sua
“própria” esquina, carregam objetos de uso aonde quer que vão;
outros perambulam a esmo, desaparecendo da vista de quem
tem onde morar. São meras fantasmagorias aos olhos de quem
não é capaz de supor sua alteridade. Esmagados pela
contradição de morar onde não mora ninguém, não têm o direito
de ser alguém. Partilham o deslugar. E, no entanto, praticam o
mesmo que os outros dentro de suas casas: dormem, comem,
fazem sexo. A condição humana é o que se divide por paredes
ou na ausência delas. A democracia torna-se uma questão de
nudez e exposição da vida íntima.
Ninguém “mora na rua”; antes, quem está na rua não
mora. Quem está fora dos básicos direitos constitucionais está
excluído da sociedade. E, muito mais além da Constituição, está
excluído pelo próprio status com que é medido. O status de
“morador de rua” é apenas um modo de incluir os excluídos na
ordem do discurso acobertadora do fascismo prático de cada dia,
oculto sob o véu da autista sensibilidade burguesa. Se o princípio
de autoconservação a qualquer custo é a base da ação de
indivíduos unidos na massa, está imediatamente perdida a
dimensão do outro sem a qual não podemos dizer que haja ética
ou política. Mesmo sob o status de m
orador de rua, o mendigo da
nossa esquina é a prova do fracasso de todos os sistemas. Se as
estatísticas não mudarem comprovando que a tendência da
exceção pode ser a regra, talvez a democracia de teto e paredes
não sirva mais a ninguém em breve. Só que às avessas.
TIBURI, Márcia. Ninguém mora onde não mora ninguém. Cult, São Paulo, n. 155, mar. 2011. Disponível em: <revistacult.uol.com.br/home/2011/03/ninguem-mora-onde-não-moraninguem/>.Acesso em: 06 fev. 2012. (Adaptado)
Quanto às normas gramaticais relacionadas ao uso dos sinais de pontuação, assinale a alternativa INCORRETA: