Dias de ira
[1] Espantado com o acúmulo de brutalidades? Quer entender o que está se passando na terra da cordialidade na
véspera de converter-se em palco de uma festa global? Então separe, tente diferenciar os tipos de agressão e de
agressores. A carga de violência continuará igual, porém a descompactação do fenômeno facilitará a compreensão
das partes e do todo.
[5] O que está sendo designado como “manifestação popular” é geralmente uma ação política oportunista,
claramente orquestrada para obter ganhos imediatos de autoridades perplexas e atônitas num momento de grande
tensão e nervosismo. Chantagem pura. Neste conjunto situam-se as greves inesperadas, intempestivas, fora do
calendário, fruto de cisões e disputas entre lideranças sindicais e seus padrinhos políticos.
Foi o caso da greve de ônibus que paralisou o Rio de Janeiro na última quinta-feira. A incrível depredação de 467
[10] ônibus tem a ver com a Operação Anti-UPP em curso, tática de exploração emocional de cada incidente adotada
pela grande delinquência – o crime organizado – com o propósito de desmoralizar a política de pacificação das
favelas e debilitar a capacidade de reação do sistema de segurança.
Os fins nunca justificam os meios: as reivindicações de trabalhadores não podem sequestrar os direitos da
sociedade nem levar a extremos que impliquem a destruição das ferramentas de trabalho. É suicídio. A propagação
[15] da violência só pode partir daqueles que dela necessitam para ocupar espaços e manter o poder.
Geração espontânea
Algo diferente são as combinações extremas de insanidade com crueldade, representadas por dois
impressionantes assassinatos ocorridos com um dia de diferença, portanto não isolados: no Recife, no Estádio do
Arruda, depois de um jogo do Paraná com o Santa Cruz, um torcedor jogou dois vasos sanitários contra um arqui-
[20] inimigo do Sport que comemorava o empate no meio da torcida paranaense. Uma das latrinas (15 quilos convertidos
pela altura de 24 metros em 300) acertou e matou instantaneamente o adepto do Sport.
Não é a primeira vez em que o Esporte-Rei converte-se em cenário de tragédia. Poderá ser a última quando o
circo futebolístico perder a sua condição de fomentador de surtos de antropofagia e canibalismo.
Na etapa seguinte do torneio de brutalidades está o linchamento da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, 33
[25] anos, mãe de dois filhos, moradora no balneário do Guarujá, litoral de São Paulo, confundida com uma sequestradora
de crianças a serviço de uma seita que as imolava para rituais religiosos.
Linchadores formam-se espontaneamente, agregam-se quando o Estado parece débil, quando leis, juízes e
tribunais estão desacreditados e onde campeia a impunidade. São ancestrais na Europa os registros de supostos
assassinatos rituais, também os castigos através de linchamentos, fogueiras e lapidações. Ocorriam onde a
[30] religiosidade era rústica, primária, e tênue o processo civilizatório.
Aquela remediada comunidade no Guarujá é servida pela internet: os covardes linchadores e os insensíveis
espectadores fotografaram e postaram cenas do crime. A ira contagiosa, viral, a afunda na Idade Média dos
poderosos que avacalha o país.
(DINES, Alberto. Dias de ira. Observatório da imprensa, 13 maio 2014. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/dias_de_ira. Acesso em 9 set. 2014)
Responda, com base no texto “Dias de ira”, à questão que segue.
Assinale a única alternativa que apresenta uma afirmação falsa a respeito do texto.