TEXTO:
[1] A sociedade ocidental, ao caminhar no sentido de
uma aquisição de práticas de comportamento que fossem
politicamente corretas, acabou por inibir — e às vezes
coibir — uma das mais importantes reações do ser
[5] humano: a sua capacidade de se indignar. Diante de
uma injustiça, uma falha grave, um desaforo, o ser
humano, pressionado pelo denominado controle do
temperamento, acaba por anestesiar sua capacidade
de se indignar. Ao lidar com os fatos da vida e fazer
[10] seus julgamentos, o cidadão usa sua escala de valores,
e são eles que definem sua inserção na sociedade.
Indignar-se com o absurdo é um valor.
Ao deparar com uma notícia escabrosa de
corrupção, com um crime hediondo, com uma atitude
[15] inverossímil, o cidadão tem de claramente manifestar
sua contrariedade. Mais que criticar ou censurar, é
necessário demonstrar com clareza a indignação com
o fato. É por falta dessa posição firme que equipes não
melhoram seu desempenho. Se houvesse a reação
[20] correta e explícita, os comportamentos mudariam, o
esforço para alcançar os resultados seria maior e o
benefício coletivo apareceria.
Muitas vezes os competentes se calam para não
constranger os incompetentes. Ledo engano. Só a
[25] discordância pode mudar comportamentos. A leniência
sempre foi inimiga da boa performance. As pessoas ficam
surpresas quando ouvem Neymar, o craque do Santos,
criticar a baixa dedicação de alguns companheiros de
time. Veem nisso uma falta de coleguismo. Nada disso.
[30] É o mais puro e legítimo desapontamento de quem se
esforça contra quem não faz o mesmo. Na empresa a
situação é parecida. Muitos se calam para não criar
mal-estar — às vezes, preferem deixar a companhia.
Melhor seria se demonstrassem sua indignação.
[35] É preciso gerar desconforto para criar prontidão e
atenção na equipe. O que recomendo, no entanto, é
que a demonstração seja polida, calma, sem gritos, mas
com muita consistência. O ato de se indignar deve ser
baseado em fatos e não somente em opiniões. E ele
[40] somente é para valer se for consubstancial, do contrário
será considerado como um estertor, um chilique, e não
vai trazer o benefício comum. É esperançoso ver a
indignação demonstrada, por exemplo, por vários de
nossos juízes do Supremo Tribunal Federal. Indignar-se
[45] é um ato cidadão.
CABRERA Luiz Carlos. O ato de se indignar. Você S/A, São Paulo: Abril, ed. 173, p. 144, nov. 2012.
De acordo com o texto,