Texto para a questão.
Ao captar o ódio frio de tirano tropical...
De tão repetida, a verdade insofismável de que a história não se repete transforma-se no seu contrário, em sofisma. Agora mesmo, venais¹ travestidos de vestais² repisam que o Terror curitibano esconde uma guilhotina no porão e que estamos todos com a cabeça a prêmio.
Como os legalistas querem deter os carrascos, os procuradores provincianos botam a carapuça, fingem que é boné frígio³ e entoam: somos todos jacobinos. A analogia é trapaceira porque não se passou nada que remotamente lembre a Revolução Francesa.
Logo, não há motivo real para reação à termidoriana4 ou o alarme moralista. O que há de palpável, isso sim, é o afã em desregulamentar o trabalho e cortar aposentadorias. O sofisma de fundo histórico é falsa ideologia: evoca um passado heroico para justificar tramoias no presente.
Assim, se na França tribunos da plebe vestiram as togas retóricas da República romana, políticos e procuradores brasileiros agitam o espectro do Terror para mobilizar crápulas tremebundos5 do pântano brasiliense. Fazem buuuuu para arrebatar aliados e trouxas. É má ficção, mas cola.
(MÁRIO SÉRGIO CONTI, Folha de S.Paulo, 01/07/2017, adaptado)
¹venal: que pode ser vendido; exposto à pvenda.
²vestal: honesto; casto; virgem.
³frígio: espécie de touca ou carapuça, símbolo do regime republicano, da liberdade.
4termidoriana: A reação termidoriana é considerada uma das fases finais do processo da Revolução Francesa. Após o período designado pelos historiadores como Reino do Terror (ou somente Terror), em que as garantias dos cidadãos foram suspensas e a facção da Montanha, do partido jacobino, assassinou e perseguiu seus opositores, alguns girondinos sobreviveram e se organizaram na articulação de um golpe.
5tremebundo: que faz tremer.
No primeiro parágrafo, pode-se considerar que o autor faz alusão ao fato de: