Os nobres sentimentos
Danusa Leão*
[1] Desde a mais tenra infância, fomos ensinados a refrear certos sentimentos. Era feio ter inveja, raiva, ódio, e
por aí vai. Mas será mesmo? E quem é a santa que só __________ no coração bondades e caridades? Querendo
ou não, os sentimentos – bons e maus – surgem, mas nos ensinaram que os piores devem ser afastados em
nome já esqueci de __________. E como fingir que eles não existem, como ignorar o que está dentro do peito?
[5] Que tal tentar conviver com eles reconhecendo que somos apenas pessoas normais, para o mal e para o bem?
Digamos que sua grande amiga seja maravilhosa, tenha 10 centímetros a mais do que você e 10 quilos a
menos. Além disso, é charmosa, inteligente, simpática e generosa – o que, aliás, não é nenhuma vantagem, com
tantas qualidades – e consegue seduzir, sem fazer o menor esforço, homens, mulheres e crianças. Que raiva, que
inveja. Fazer o quê? Em primeiro lugar, reconhecer o que está sentindo e as razões desses sentimentos. Não será
[10] preciso ir longe a ponto de dizer: “Eu te odeio porque você é mais bonita do que eu”. Mas, quando estiver sozinha,
pode ficar com toda a raiva do mundo e odiá-la com todas as forças do __________ coração – para aliviar o peito
e não ter um infarto; isso ajuda __________ passar. E, quando adorar uma pessoa, deve também ir fundo e dizer
que gosta sem nenhum pudor, pois gostar e fingir indiferença não tem a menor graça.
Já reparou como, para certas pessoas, é difícil elogiar? Quem escolher viver honestamente todos os seus
[15] sentimentos vai perder alguns amigos, mas, em compensação, os que ficarem vão ser para sempre. De que
adianta o telefone tocar o dia inteiro se é preciso fingir que é indiferente para ser querida, para ter com quem ir à
praia?
Quando tiver vontade de torcer o pescoço de seu filho adorado – porque isso às vezes acontece –, permitase
reconhecer e, se puder, diga a alguém – uma amiga, o padre ou o analista – quanto gostaria, naquele
[20] momento, de esganar a carne de sua carne e o sangue do seu sangue. Depois que a raiva passar, diga a ele, que
vai achar muita graça. Assim, você estará abrindo para ele a possibilidade de lhe dizer um dia a mesma coisa, o
que vai ser maravilhoso para a amizade de vocês. Porque entre mãe e filho, além do amor, se tiver também
amizade, é a melhor coisa do mundo. E convém que ele saiba que, quanto mais próximas as pessoas, mais
ocasiões e razões temos para amá-las ou odiá-las, e que isso é normal (e não deve trazer culpas).
[25] Como é bom falar mal de uma pessoa, dizer com carinho que ela não vale nada e terminar confessando
que é exatamente por isso que é louca por ela. Quando se ouve uma declaração de amizade dessas, nunca mais
se esquece, e ser especial para alguém é tudo que se quer.
E mais: sofrer, chorar, rir, abraçar, beijar, passar noites em claro, de tanta felicidade ou de tanto sofrimento,
acordar um dia achando que o mundo é todo seu e no outro não conseguir nem se levantar da cama de tanta
[30] tristeza sem nenhum motivo – é isso que diferencia uma vida plena e rica de outra morna e medíocre.
Dinheiro se economiza, mas emoções, sejam de felicidade ou de tristeza, de amor ou de raiva, nunca. Vá
sempre fundo – a não ser que esteja na vida a passeio, o que é uma escolha; uma triste escolha, aliás. Porque
todos os sentimentos são nobres – inclusive os piores.
(Cláudia, p. 24, fev. 2010.)
Com base no texto, é possível afirmar que
I. a palavra seduzir (linha 08) não poderia ser substituída por fascinar, pois isso alteraria o sentido original do texto.
II. a expressão desses sentimentos (linha 09) remete a raiva e inveja (linhas 08 e 09).
III. a forma pronominal -la (linha 11) retoma a expressão sua grande amiga (linha 06).
Das alternativas acima, pode-se dizer que