Lá...
Na minha terra, lá... quando
O luar banha o “potreiro”,
Passa cantando o tropeiro,
Cantando... sempre cantando...
[5] Depois, descobre-se o bando
Do gado que muge adiante,
E um cão ladra bem distante...
Lá... bem distante! ... na serra! ...
– Nunca foste à minha terra?
[10] Enfrena, pois, teu cavalo,
Ferra a espora, alça o chicote.
E caminha a trote... a trote...
Se não quiseres cansá-lo.
Ainda não canta o galo,
[15] É tempo de viajares,
Deixarás estes lugares,
Irás vendo novas cenas,
Sempre amenas... muito amenas!
O laranjal enverdece
[20] Ao disco argênteo da lua,
E a estrada deserta e nua
Logo aos olhos te aparece...
Uma restinga ali cresce
Beijando a fralda ao regato:
[25] E lá... no fundo do mato,
Arde o roçado, e fumega
A vassourinha – a macega...
Se um grito de fero açoite
Estruge no ar austero,
[30] Não tremas! é o “Quero-Quero”
Que vem te dar a Boa-noite.
Um conselho, porém, dou-te:
Um pouso tens a teu lado;
Mas não lhe batas... cuidado!
[35] Antes procura outros meios,
Dormindo sobre os arreios...
Não que se negue a tais horas,
Agasalho ao forasteiro,
Mas, porque, foras primeiro
[40] Assustado sem demora!
“Ó Juca”, põe-te pra fora!
''Solta o cão... traz o trabuco...
Matemos esse maluco!...”
Para no fim do rebate
[45] Ir contigo tomar mate.
Logo ao romper da alvorada
Põe à “soga” o teu cavalo:
Podes passar-lhe um pealo,
Uma maneia trançada.
[50] Depois vai pedir pousada;
De dia nada receies;
Verás meninas sem meias...
“E pucha!” que lindas moças,
De pernas grossas... bem grossas!
[55] Hão de fazer-te mil festas,
Dar-te atenção e carícias,
Porquanto as minhas patrícias
São modestas, bem modestas!
Mil vezes os mimos destas,
[60] Porque são filhos da estima.
Aceita-os, pois, e por cima
Come o bom churrasco insosso,
Que elas dirão que és bom “moço”!
À noite, escuso avisar-te,
[65] Dança-se a parca “Tirana”;
Tira a primeira serrana,
Que não há de recusar-te;
Ali, a um canto... de parte,
O velho fuma um cigarro,
[70] De quando em quando, um escarro...
Ao passo que um mariola
Arranha numa viola.
Não te espantem os cavalheiros,
Muitos verás de tamancos,
[75] Outros de sapatos brancos,
Ou de “botas de terneiros”;
Esses serão os primeiros
Na “competência dos pares...”
Nem te rias se escutares:
[80] – “Eu danço ‘cá sia’ Maruca,
A Chica dança ‘cô’ Juca!”
Ouvirás, após cantiga
De versos de pés quebrados,
Coisa de tempos passados,
[85] Que talvez a rir te obrigue;
Se queres, porém, que o diga:
Acho mais graça e beleza
Naquela simples rudeza,
Que neste folgar sem lei
[90] De muita gente que eu sei!...
Ali, verás como incita
O viver da solidão,
Tomando o teu “chimarrão”
Feito por moça bonita;
[95] Verás vestidos de chita,
Muita vida em cada rosto...
Mas, se duvidas do exposto,
É fácil: - volta pra aqui,
E dirás se te menti.
COSTA, Francisco Lobo da. Auras do sul. Rio Grande: Pinto & Cia., 1914.
Em “Enfrena, pois, teu cavalo” (verso 10), o tempo verbal é