Colunista
Gilles Lapouge
(Correspondente em Paris)
Tradução: Roberto Muniz
UM TRAJE POLÍTICO
E o que é o 'burkini'? Confesso que ignorava sua existência até estes últimos dias, quando prefeitos de algumas cidades o proibiram.
[1] Como todo mês de Agosto, a França vai à praia. De
Saint Tropez, no sul, a Dauville, no norte, todo mundo
está na areia, sob o sol dourado e o céu azul. Em suma,
o paraíso. Mas, neste ano, surgiram problemas no para-
[5] íso. O responsável: o “burkini”. E o que é o “burkini”?
Confesso que ignorava sua existência até estes últimos
dias, quando prefeitos de algumas cidades o proibiram.
Trata-se de um traje de banho. Mas que ninguém con-
funda “burkini” com biquíni, este, o maiô de duas peças
[10] que permite admirar a pele das mulheres. Na verdade, o
“burkini” é o contrário: esconde a pele. “Burkini” é um
maiô islâmico composto de uma túnica, com mangas
longas, usada sobre uma calça que vai até os pés. Com-
pletando o traje, há uma touca que só deixa ver o rosto.
[15] O “burkini” foi inventado em 2003 por uma austra-
liana de origem libanesa que fez fortuna. A sacada do
traje é permitir às muçulmanas respeitar os preceitos do
Alcorão enquanto usufruem os prazeres da praia. Mas
pode-se ver o “burkini” com outros olhos, os da política.
[20] Esses são os olhos dos prefeitos que proibiram o traje.
São também os do premiê Manuel Valls, que aprovou a
proibição.
Na verdade, a ofensiva da França contra o “burkini”
faz parte da luta de morte que o país declarou contra o
[25] terrorismo após os atentados do Estado Islâmico: ataque
contra o Charlie Hebdo, massacre de 14 de julho, em
Nice, etc. O argumento é claro: a França é um país laico,
que proíbe a exibição em público de qualquer sinal de
crença religiosa. Se queremos combater o terrorismo, é
[30] preciso proibir as mulheres de usar “burkini”.
Na França, algumas manifestações apoiaram essa
nova batalha contra o fanatismo (não muitas). Mas, no
exterior, o clima é de estupefação. A França decidiu le-
gitimamente enfrentar os assassinos do EI. Mas, daí a
[35] incluir o “burkini” no arsenal jihadista, só o cérebro de
um francês para bolar tal besteira! O sisudo New York
Times rolou de rir: “A França acaba de descobrir a úl-
tima ameaça a sua segurança: o ‘burkini’”.
Os britânicos foram mais cáusticos. Para o Tele-
[40] graph, “é de uma estupidez granítica, um ato de fana-
tismo”. O Guardian pergunta o que é mais perigoso, “um
maiô que esconde os seios e as nádegas ou um biquíni
que mostra o contorno dessas nádegas”.
Entre os estrangeiros que aprovaram o comporta-
[45] mento inflexível da França estão algumas vozes muçul-
manas. Por exemplo, o egípcio Aalam Wassef, editor e
escritor. Para ele, o “burkini” mostra o avanço das ideias
wahabitas no Ocidente, sendo o wahabismo uma dou-
trina raivosa nascida na Arábia Saudita, mais conhecida
[50] no Ocidente como salafismo – o mesmo salafismo que
está por trás das pregações fanáticas.
“Em 2016”, escreveu Wassef, “uma mulher saudita
não pode andar desacompanhada de um homem, tem de
[55] cobrir todo o corpo e não dirige. Seu comportamento em
público e sua aparência são os parâmetros pelos quais se
afirma a dignidade do marido.” A análise de Wassef ex-
plica que os movimentos feministas franceses são na
maioria hostis ao “burkini”.
Isso traz algumas complicações. Ocorre que muitos
[60] movimentos feministas são de esquerda e defendem a
integração dos muçulmanos na França, além da tolerân-
cia com as minorias. Mas as feministas, como mulheres,
não podem aprovar esse traje, que é a marca da condição
humilhante das mulheres na Arábia Saudita.
[65] A análise de Wassef é lógica e justa. Não podemos
deixar de denunciar o obscurantismo e o antifeminismo
degradante que se esconde por trás do uso do “burkini”
nas praias francesas. Mas seria isso uma razão para se
[70] acreditar que o fato de algumas mulheres, em lugar do
biquíni, usarem o “burkini”, abra caminho para massa-
cres?
Fonte: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,um-traje-politico,10000070238> Acessado em 18 Agosto 2016.
Assinale a alternativa na qual o elemento “que” não representa um pronome relativo.