Texto 1
Sem firulas, sem floreios
Folha de S.Paulo, 23 nov. 2012
Eliane Cantanhêde
BRASÍLIA – Ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, num dia histórico, Joaquim Benedito Barbosa elogiou a "trajetória vitoriosa de um povo que soube (...) entrar no seleto clube das nações respeitáveis".
Pois o país também se orgulha da trajetória vitoriosa de um brasileiro negro, pobre e muito especial que entrou ontem no seleto clube de presidentes da mais alta corte.
Vale aí um reconhecimento a Lula: foi o primeiro operário presidente da República quem nomeou o primeiro negro para o Supremo. O resultado dessa soma é que, apesar de ainda faltar muito, o Brasil se torna cada vez mais uma "nação respeitável".
Se a cerimônia foi emocionante, Joaquim foi simples. Falou pouco, sem arroubos, afetação e provocações – muito menos para fora do Poder Judiciário – e terminou agradecendo aos amigos que vieram da França e dos Estados Unidos especialmente para homenageá-lo.
Citou também um por um os muitos irmãos e dispensou formalidades para se dirigir à dona Benedita, umadas principais estrelas da festa.
Simplesmente sorriu e agradeceu à "minha mãezinha". Soaria piegas se fosse qualquer outro,mas combinou à perfeição com o espírito da solenidade e com a origem do novo presidente do Supremo.
Joaquim, aliás, ensinou que os juízes não têmmais como se distanciar da sociedade e devem, sim, afastarse das "múltiplas e nocivas influências" para garantir que a justiça seja feita: "Justiça que falha impacta diretamente a vida do cidadão".
Ao enfatizar o enorme "deficit de Justiça entre nós", defendeu o "direito à igualdade" e um Judiciário "sem firulas, sem floreios, sem rapapés".
Por falar nisso, o jovem Joaquim passou em todas as provas do Instituto Rio Branco, mas foi reprovado na entrevista oral. Muito estranho. O Itamaraty perdeu um grande diplomata, o Judiciário ganhou um grande ministro. Votos para que seja um ótimo presidente do Supremo.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/elianecantanhede/1189695-sem-firulas-sem-floreios.shtml. Acesso em: 23 nov.2012.
Texto 2
Joaquim Barbosa: presidente
Folha de S.Paulo, 13 out. 2012
Walter Ceneviva
O artigo 5º da Constituição começa com o enunciado de uma verdade jurídica, mas uma inverdade material: "todos são iguais perante a lei". Será verdadeiro se o lermos como esperança de um vir a ser, compondo programa igualitário para todos os que aqui vivem, com "inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". O artigo 5º é mais do que ordem jurídica – é uma "norma programática", conforme ensinam os mestres. Retrata a esperança de aprimoramento das condições sociais dos que vivem aqui, para alcançarem realização plena.
Nesse quadro a auspiciosa nomeação de um presidente negro para o STF (Supremo Tribunal Federal) é boa em si mesma, pelas qualidades que o ministro Joaquim Barbosa já demonstrou no tratamento do direito e no trabalho que tem desenvolvido. É, porém, ótima na simbologia das transformações sociais pelas quais estamos passando. Seu acesso à presidência dá o indício fundamental: a substituição dos dirigentes do STF, segundo o tempo na mesma função permite, no restrito grupo de 11 magistrados, com revezamento de estilos, convicções emando.
É evidente, porém , que o caso do ministro Barbosa acrescenta, além do toque da novidade, o preenchimento de um lugar que, desde a criação da Constituição imperial, sob Pedro 1º, foi submetido a duas reservas específicas: só para homens e só para brancos. A lei de então incluiu na capital brasileira (o Rio de Janeiro) um "Supremo Tribunal de Justiça, composto por 11 juízes letrados...", sem fazer referência à cor.
"Letrado" caiu em desuso, mas no começo do século 19 indicava o grande conhecedor do direito. A exigência constitucional de hoje requer "notável saber jurídico e reputação ilibada", permitida a escolha pelo presidente da República, sem distinção de sexo, com aprovação do candidato pelo Senado Federal.
É confortante ver a evolução, embora lenta. Nas dezenas de tribunais brasileiros, tanto na área federal quanto na estadual, o número de presidentes negros é muito pequeno. Ainda predomina o sexo masculino, mas já se está no ritmo do equilíbrio entre homens e mulheres. As antigas resistências à presença feminina nos serviços da Justiça, que pareciam irremovíveis até a segunda metade do século 20, hoje são encaradas como passadismo pré-histórico.
Nesse perfil histórico, o ingresso de Joaquim Barbosa na Corte Suprema se fez credenciado por títulos de pós-graduação no país e no exterior, tendo feito carreira no Ministério Público Federal. É o 44º presidente do STF, depois da proclamação da República, sendo o oitavo mineiro a chegar ao cargo, conforme o decano do tribunal, ministro José Celso de Mello Filho, informou no discurso de saudação. A conduta de Barbosa no processo do "mensalão" sugere que está pronto para os embates da presidência. [...]
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/walterceneviva/1168667-joaquim-barbosa-presidente.shtml. Acesso em: 26. nov.2012. Adaptado.
No último parágrafo do Texto 1, diante de o então jovem Joaquim Barbosa ter sido reprovado no exame oral, a frase “Muito estranho” apresenta