FMJ 2020
60 Questões
Examine o cartum de Shannon Wheeler, publicado no Instagram da revista The New Yorker em 24.11.2018.
“Stop fact-checking my story.”
O cartum ironiza o fato de a história ser
Leia a crônica “Suspeita”, de Carlos Drummond de Andrade, para responder à questão.
Quando José Alves viu Brandão chegar a sua porta, pensou em coisa má, porque boa não devia ser. Brandão era senhorio, vinha talvez aumentar o aluguel. Ou, então, dizer que os meninos estragavam muito a casa, a começar pelo lado de fora. José Alves pagava mais ou menos em dia, salvo ocasiões de doença. Era condutor de bonde, vale dizer, tinha dinheiro curto. Mas o jeito de Brandão era benigno, e sua voz, logo às primeiras palavras, denotava algo que parecia emoção ou, mais simplesmente, embaraço.
— Bom dia, Zé. Seu pessoal vai bem? Tudo legal? Vim aqui cedinho com medo de não encontrar mais você. Careço de um favor seu.
— Vamos ver, seu Brandão.
— Até não queria vir, para não amolar um cristão, mas a patroa insistiu. A patroa disse assim: Procura o Zé Alves que ele atende. O Zé Alves é camarada e compreende essas coisas. Acontece o seguinte, Zé, nós tínhamos lá em casa um cachorro de estimação, o Sentinela, não sei se você reparou nele, nem era cachorro, era um amigo da gente, com perdão do exagero, até parecia um filho de rabo. Criação, quando a gente se apega, é o diabo. Pois o Sentinela morreu ontem de noite.
— Sinto muito, seu Brandão.
— Obrigado. Ele merecia. Mas agora está um caso sério, porque eu não vou jogar o bichinho no lixo nem dar sumiço nele. Tenho de enterrar, não acha? E lá em casa, você sabe, é apartamento de instituto, sem um palmo de terra. Então a patroa lembrou: O Zé Alves tem um quintalzinho, fala com ele.
— Tá certo, seu Brandão, disponha.
O outro agradeceu e saiu afobado para voltar uma hora depois, com um caixotinho fechado e um crioulo munido de enxada. Não quis abrir o caixote, por causa da exalação. Num átimo, a cova estava pronta e o sepultamento se fez. José tinha saído para o batente. Brandão agradeceu muito à senhora dele.
No batente, José ficou pensando aquilo que não tivera tempo de pensar na rapidez da conversa. História esquisita, essa de enterrar cachorro no quintal dos outros. Enfim, cada um com sua mania. Mas à noite, na cama, ideias estranhas lhe afloraram à cabeça. A mulher de Brandão era parteira, tinha fama de fazer anjinho. Era muito possível que… Minha Nossa Senhora, em que burrada me meti. E não dormiu um segundo, pensando naquela coisinha humana no frio da terra, e ele preso, processado, poxa! A mulher tinha o mesmo pensamento negro. Ia dar bode.
No outro dia, José madrugou no distrito e contou ao primeiro sujeito com cara de autoridade que lá encontrou. O sujeito coçou o queixo, indagou aborrecido: “Tem certeza?”. Ele respondeu: “Quer dizer, certeza mesmo não, mas estou quase jurando que ali tem coisa”. Um investigador foi buscar Brandão, que apareceu de cara amarrada, veio também um médico-legista, e a caravana partiu para a ruinha de subúrbio, onde já estava apinhada pequena multidão em frente à casa de Zé Alves. O povo tem radar para esses casos.
Abriu-se a cova, apareceu o caixotinho lambuzado de terra. O mau cheiro não perturba aqueles homens habituados, mas a qualidade do mau cheiro não passou despercebida ao médico. O círculo de curiosos tapou o local da diligência. “Desafasta!”, resmungou um investigador. Abriu-se o caixotinho. O doutor se debruçou profissionalmente. Brandão tapou os olhos, apertou os lábios…
Era cachorro.
(70 historinhas, 2016.)
A suspeita de José Alves de que não havia um cachorro no caixote enterrado em seu quintal decorre, sobretudo, do fato de que
Leia a crônica “Suspeita”, de Carlos Drummond de Andrade, para responder à questão.
Quando José Alves viu Brandão chegar a sua porta, pensou em coisa má, porque boa não devia ser. Brandão era senhorio, vinha talvez aumentar o aluguel. Ou, então, dizer que os meninos estragavam muito a casa, a começar pelo lado de fora. José Alves pagava mais ou menos em dia, salvo ocasiões de doença. Era condutor de bonde, vale dizer, tinha dinheiro curto. Mas o jeito de Brandão era benigno, e sua voz, logo às primeiras palavras, denotava algo que parecia emoção ou, mais simplesmente, embaraço.
— Bom dia, Zé. Seu pessoal vai bem? Tudo legal? Vim aqui cedinho com medo de não encontrar mais você. Careço de um favor seu.
— Vamos ver, seu Brandão.
— Até não queria vir, para não amolar um cristão, mas a patroa insistiu. A patroa disse assim: Procura o Zé Alves que ele atende. O Zé Alves é camarada e compreende essas coisas. Acontece o seguinte, Zé, nós tínhamos lá em casa um cachorro de estimação, o Sentinela, não sei se você reparou nele, nem era cachorro, era um amigo da gente, com perdão do exagero, até parecia um filho de rabo. Criação, quando a gente se apega, é o diabo. Pois o Sentinela morreu ontem de noite.
— Sinto muito, seu Brandão.
— Obrigado. Ele merecia. Mas agora está um caso sério, porque eu não vou jogar o bichinho no lixo nem dar sumiço nele. Tenho de enterrar, não acha? E lá em casa, você sabe, é apartamento de instituto, sem um palmo de terra. Então a patroa lembrou: O Zé Alves tem um quintalzinho, fala com ele.
— Tá certo, seu Brandão, disponha.
O outro agradeceu e saiu afobado para voltar uma hora depois, com um caixotinho fechado e um crioulo munido de enxada. Não quis abrir o caixote, por causa da exalação. Num átimo, a cova estava pronta e o sepultamento se fez. José tinha saído para o batente. Brandão agradeceu muito à senhora dele.
No batente, José ficou pensando aquilo que não tivera tempo de pensar na rapidez da conversa. História esquisita, essa de enterrar cachorro no quintal dos outros. Enfim, cada um com sua mania. Mas à noite, na cama, ideias estranhas lhe afloraram à cabeça. A mulher de Brandão era parteira, tinha fama de fazer anjinho. Era muito possível que… Minha Nossa Senhora, em que burrada me meti. E não dormiu um segundo, pensando naquela coisinha humana no frio da terra, e ele preso, processado, poxa! A mulher tinha o mesmo pensamento negro. Ia dar bode.
No outro dia, José madrugou no distrito e contou ao primeiro sujeito com cara de autoridade que lá encontrou. O sujeito coçou o queixo, indagou aborrecido: “Tem certeza?”. Ele respondeu: “Quer dizer, certeza mesmo não, mas estou quase jurando que ali tem coisa”. Um investigador foi buscar Brandão, que apareceu de cara amarrada, veio também um médico-legista, e a caravana partiu para a ruinha de subúrbio, onde já estava apinhada pequena multidão em frente à casa de Zé Alves. O povo tem radar para esses casos.
Abriu-se a cova, apareceu o caixotinho lambuzado de terra. O mau cheiro não perturba aqueles homens habituados, mas a qualidade do mau cheiro não passou despercebida ao médico. O círculo de curiosos tapou o local da diligência. “Desafasta!”, resmungou um investigador. Abriu-se o caixotinho. O doutor se debruçou profissionalmente. Brandão tapou os olhos, apertou os lábios…
Era cachorro.
(70 historinhas, 2016.)
No início de sua conversa com José Alves, Brandão mostra-se
Leia a crônica “Suspeita”, de Carlos Drummond de Andrade, para responder à questão.
Quando José Alves viu Brandão chegar a sua porta, pensou em coisa má, porque boa não devia ser. Brandão era senhorio, vinha talvez aumentar o aluguel. Ou, então, dizer que os meninos estragavam muito a casa, a começar pelo lado de fora. José Alves pagava mais ou menos em dia, salvo ocasiões de doença. Era condutor de bonde, vale dizer, tinha dinheiro curto. Mas o jeito de Brandão era benigno, e sua voz, logo às primeiras palavras, denotava algo que parecia emoção ou, mais simplesmente, embaraço.
— Bom dia, Zé. Seu pessoal vai bem? Tudo legal? Vim aqui cedinho com medo de não encontrar mais você. Careço de um favor seu.
— Vamos ver, seu Brandão.
— Até não queria vir, para não amolar um cristão, mas a patroa insistiu. A patroa disse assim: Procura o Zé Alves que ele atende. O Zé Alves é camarada e compreende essas coisas. Acontece o seguinte, Zé, nós tínhamos lá em casa um cachorro de estimação, o Sentinela, não sei se você reparou nele, nem era cachorro, era um amigo da gente, com perdão do exagero, até parecia um filho de rabo. Criação, quando a gente se apega, é o diabo. Pois o Sentinela morreu ontem de noite.
— Sinto muito, seu Brandão.
— Obrigado. Ele merecia. Mas agora está um caso sério, porque eu não vou jogar o bichinho no lixo nem dar sumiço nele. Tenho de enterrar, não acha? E lá em casa, você sabe, é apartamento de instituto, sem um palmo de terra. Então a patroa lembrou: O Zé Alves tem um quintalzinho, fala com ele.
— Tá certo, seu Brandão, disponha.
O outro agradeceu e saiu afobado para voltar uma hora depois, com um caixotinho fechado e um crioulo munido de enxada. Não quis abrir o caixote, por causa da exalação. Num átimo, a cova estava pronta e o sepultamento se fez. José tinha saído para o batente. Brandão agradeceu muito à senhora dele.
No batente, José ficou pensando aquilo que não tivera tempo de pensar na rapidez da conversa. História esquisita, essa de enterrar cachorro no quintal dos outros. Enfim, cada um com sua mania. Mas à noite, na cama, ideias estranhas lhe afloraram à cabeça. A mulher de Brandão era parteira, tinha fama de fazer anjinho. Era muito possível que… Minha Nossa Senhora, em que burrada me meti. E não dormiu um segundo, pensando naquela coisinha humana no frio da terra, e ele preso, processado, poxa! A mulher tinha o mesmo pensamento negro. Ia dar bode.
No outro dia, José madrugou no distrito e contou ao primeiro sujeito com cara de autoridade que lá encontrou. O sujeito coçou o queixo, indagou aborrecido: “Tem certeza?”. Ele respondeu: “Quer dizer, certeza mesmo não, mas estou quase jurando que ali tem coisa”. Um investigador foi buscar Brandão, que apareceu de cara amarrada, veio também um médico-legista, e a caravana partiu para a ruinha de subúrbio, onde já estava apinhada pequena multidão em frente à casa de Zé Alves. O povo tem radar para esses casos.
Abriu-se a cova, apareceu o caixotinho lambuzado de terra. O mau cheiro não perturba aqueles homens habituados, mas a qualidade do mau cheiro não passou despercebida ao médico. O círculo de curiosos tapou o local da diligência. “Desafasta!”, resmungou um investigador. Abriu-se o caixotinho. O doutor se debruçou profissionalmente. Brandão tapou os olhos, apertou os lábios…
Era cachorro.
(70 historinhas, 2016.)
No discurso indireto livre, a voz do personagem mescla-se à voz do narrador, a exemplo do que se verifica em:
Leia a crônica “Suspeita”, de Carlos Drummond de Andrade, para responder à questão.
Quando José Alves viu Brandão chegar a sua porta, pensou em coisa má, porque boa não devia ser. Brandão era senhorio, vinha talvez aumentar o aluguel. Ou, então, dizer que os meninos estragavam muito a casa, a começar pelo lado de fora. José Alves pagava mais ou menos em dia, salvo ocasiões de doença. Era condutor de bonde, vale dizer, tinha dinheiro curto. Mas o jeito de Brandão era benigno, e sua voz, logo às primeiras palavras, denotava algo que parecia emoção ou, mais simplesmente, embaraço.
— Bom dia, Zé. Seu pessoal vai bem? Tudo legal? Vim aqui cedinho com medo de não encontrar mais você. Careço de um favor seu.
— Vamos ver, seu Brandão.
— Até não queria vir, para não amolar um cristão, mas a patroa insistiu. A patroa disse assim: Procura o Zé Alves que ele atende. O Zé Alves é camarada e compreende essas coisas. Acontece o seguinte, Zé, nós tínhamos lá em casa um cachorro de estimação, o Sentinela, não sei se você reparou nele, nem era cachorro, era um amigo da gente, com perdão do exagero, até parecia um filho de rabo. Criação, quando a gente se apega, é o diabo. Pois o Sentinela morreu ontem de noite.
— Sinto muito, seu Brandão.
— Obrigado. Ele merecia. Mas agora está um caso sério, porque eu não vou jogar o bichinho no lixo nem dar sumiço nele. Tenho de enterrar, não acha? E lá em casa, você sabe, é apartamento de instituto, sem um palmo de terra. Então a patroa lembrou: O Zé Alves tem um quintalzinho, fala com ele.
— Tá certo, seu Brandão, disponha.
O outro agradeceu e saiu afobado para voltar uma hora depois, com um caixotinho fechado e um crioulo munido de enxada. Não quis abrir o caixote, por causa da exalação. Num átimo, a cova estava pronta e o sepultamento se fez. José tinha saído para o batente. Brandão agradeceu muito à senhora dele.
No batente, José ficou pensando aquilo que não tivera tempo de pensar na rapidez da conversa. História esquisita, essa de enterrar cachorro no quintal dos outros. Enfim, cada um com sua mania. Mas à noite, na cama, ideias estranhas lhe afloraram à cabeça. A mulher de Brandão era parteira, tinha fama de fazer anjinho. Era muito possível que… Minha Nossa Senhora, em que burrada me meti. E não dormiu um segundo, pensando naquela coisinha humana no frio da terra, e ele preso, processado, poxa! A mulher tinha o mesmo pensamento negro. Ia dar bode.
No outro dia, José madrugou no distrito e contou ao primeiro sujeito com cara de autoridade que lá encontrou. O sujeito coçou o queixo, indagou aborrecido: “Tem certeza?”. Ele respondeu: “Quer dizer, certeza mesmo não, mas estou quase jurando que ali tem coisa”. Um investigador foi buscar Brandão, que apareceu de cara amarrada, veio também um médico-legista, e a caravana partiu para a ruinha de subúrbio, onde já estava apinhada pequena multidão em frente à casa de Zé Alves. O povo tem radar para esses casos.
Abriu-se a cova, apareceu o caixotinho lambuzado de terra. O mau cheiro não perturba aqueles homens habituados, mas a qualidade do mau cheiro não passou despercebida ao médico. O círculo de curiosos tapou o local da diligência. “Desafasta!”, resmungou um investigador. Abriu-se o caixotinho. O doutor se debruçou profissionalmente. Brandão tapou os olhos, apertou os lábios…
Era cachorro.
(70 historinhas, 2016.)
Estão empregados em sentido figurado os termos sublinhados em:
Para responder à questão, leia a “Lira XVIII” da obra Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga.
Não vês aquele velho respeitável,
Que, à muleta encostado,
Apenas mal se move e mal se arrasta?
Oh! quanto estrago não lhe fez o tempo,
O tempo arrebatado,
Que o mesmo bronze gasta!
Enrugaram-se as faces e perderam
Seus olhos a viveza;
Voltou-se o seu cabelo em branca neve;
Já lhe treme a cabeça, a mão, o queixo,
Nem tem uma beleza
Das belezas que teve.
Assim também serei, minha Marília,
Daqui a poucos anos,
Que o ímpio tempo para todos corre.
Os dentes cairão, e os meus cabelos.
Ah! sentirei os danos,
Que evita só quem morre.
Mas sempre passarei uma velhice
Muito menos penosa.
Não trarei a muleta carregada:
Descansarei o já vergado corpo
Na tua mão piedosa,
Na tua mão nevada.
As frias tardes, em que negra nuvem
Os chuveiros não lance,
Irei contigo ao prado florescente:
Aqui me buscarás um sítio ameno,
Onde os membros descanse,
E ao branco Sol me aquente.
Apenas me sentar, então, movendo
Os olhos por aquela
Vistosa parte, que ficar fronteira,
Apontando direi: Ali falamos,
Ali, ó minha bela,
Te vi a vez primeira.
Verterão os meus olhos duas fontes,
Nascidas de alegria;
Farão teus olhos ternos outro tanto;
Então darei, Marília, frios beijos
Na mão formosa e pia,
Que me limpar o pranto.
Assim irá, Marília, docemente
Meu corpo suportando
Do tempo desumano a dura guerra.
Contente morrerei, por ser Marília
Quem, sentida, chorando,
Meus baços olhos cerra.
(Domício Proença Filho (org.). A poesia dos inconfidentes, 2002.)
A percepção do tempo revelada pelo eu lírico aproxima-se daquela presente na seguinte citação: