Redação #1160986
Em Memórias Póstumas de Braz Cubas, livro do escritor brasileiro Machado de Assis, a personagem que entitula a obra, relata não ter filhos para não transmitir o legado negativo da miséria humana. Essa percepção de Assis, dialoga com a realidade hodierna do Brasil, haja vista que no país, a problemática da população em situação de rua é endêmica. Sob este aspecto, nota-se que o revés ocorre tanto pela banalização dessa condição, quanto pela postura higienista do Estado nacional acerca dessa população.
Cabe ressaltar, inicialmente, que a normalização pelo corpo social, da precariedade vivenciada pelas pessoas que moram nas ruas, é um dos causadores do problema em questão. Isso acontece porque tal conjuntura inviabiliza a pressão social sobre o poder público para a resolução do impasse, bem como, minimiza as ações populares de ajuda humanitária a esses indivíduos vulneráveis. Nesse sentido, no livro "Cegueira Moral", o pensador polonês, Zygmunt Bauman, aborda a ausência de sensibilidade dos homens modernos em meio as dores dos seus semelhantes, ao argumentar que o individualismo impulsiona a indiferença ante os problemas sociais. Desse modo, entende-se que a banalização da situação de rua apresenta-se como um reflexo da cegueira moral e experienciada no contexto atual.
Ademais, a desumanização das pessoas que vivem nas ruas, pelos governos Federal e estaduais, configura-se como um elemento perpetuador da situação. Isso porque, a profilaxia estatal recorrente é a expulsão violenta dessas pessoas de árias de interesse econômico, com o intuito de promover a valorização imobiliária, ao passo que não promove, paralelamente, políticas de reinserção social dessa parte marginalizada da comunidade brasileira. Sob essa ótica, o conceito de gentrificação, estudado pela geografia, aborda a influência econômica no processo de higienização social dos espaços e a consequente segregação urbana dela advinda. Exemplo disso é a região Paulistana conhecida como Cracolândia, onde foi empregada em 2019 a violência policial para expulsão dos moradores de rua, com a intenção de"limpar" o ambiente e, assim, valorizá-lo economicamente, no entanto, sem desenvolver medidas dignas de resolução do problema.
Destarte, urge que o governo federal incentive a inversão da situação de rua vivenciada por parte da população. Para isso, compete ao Ministério dos Direitos Humanos destinar recursos aos municípios de toda a Federação para a construção de espaços que os reindroduzirão à sociedade - com a disponibilização de dormitórios, alimentação, atendimento médico e psicoterapêutico e educação profissionalizante - com o fito de garantir mecanismos necessários para a volta ao corpo social. Tal ação será feita por meio de recursos liberados pela Lei de Diretrizes Orçamentárias - responsável pelo planejamento orçamentário anual do governo. A partir dessas medidas, a concepção de Brás Cubas não será uma realidade no Brasil.
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